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Entrevista: PAPAI NOEL

São Nicolau, Santa Clauss ou o padroeiro dos navegantes

Texto e pesquisa: Carlos Andrade
Publicado na edição especial de natal do Jornal da Soamar, edição novembro de 2000

Um senhor simpático, capaz de visitar dois bilhões de crianças numa única noite, percorrer mais de um milhão de quilômetros e vencer, apesar da barriga e do volume de sua carga, a resistência do ar em velocidade quase duas vezes a do som; existe, mora no Polo Norte e tem uma história com mais de XVIII séculos de tradição. Seu nome: Santa Claus, ou melhor, São Nicolau, ou melhor, ainda, Papai Noel. De um simples camponês de Mira, na Ásia Menor, onde se tornou bispo e santo depois da morte, esse mito atravessou a história misturando lendas e realidades em volta de si, até chegar ao país do marketing e se transformar na mais conhecida figura associada ao Natal de todos os tempos. Foram os americanos, em especial os artistas Thomas Nast e Haddon Sudblom, que o desenharam, e Clement Moore, que o descreveu, os responsáveis pela indumentária vermelha, as botas pretas e os adereços de peles mais que apropriados para a região fria – o polo norte – onde passa a maior parte do tempo. Primeiro nos Estados Unidos e depois no resto do mundo, Papai Noel virou referência de venda e sua figura original de bispo, associada às coisas de Deus, foi aos poucos deixando as igrejas em direção aos grandes shoppings, supermercados e lojas de departamentos. Mas a religião não perdeu o bonde da história. A medida que o nosso entrevistado virava garoto propaganda de consumo, a Igreja fez de tudo para introduzir seu próprio símbolo de Natal. Assim, o 25 de dezembro, antes dedicado a outras festas tradicionalmente reconhecidas como pagãs, passou a significar, também, o dia do nascimento do Menino Jesus. A este caberia, dali em diante, manter viva a chama da fé num Deus muito maior que o sol e infinitamente mais poderoso que Júpiter. Nessa entrevista, Papai Noel, além da sua própria história, fala do Natal, dos símbolos e do esforço da Igreja em cristianizar as festas pagãs que giravam em torno do astro rei; de Baco, o deus do vinho; e de outras crenças menos ortodoxa.

JS – Papai Noel, onde afinal o senhor nasceu?
PAPAI NOEL – Essa pergunta tem na verdade duas resposta. Como Nicolau, ou São Nicolau de Mira, sou natural da cidade de Lícia, no ano 281, região de Patara, onde vivi do final do século III até o início do século IV, na província de Anatólia, uma das regiões da Ásia Menor, hoje conhecida como Turquia. Como Papai Noel, nasci nos Estados Unidos, por volta do ano 1800, fruto do conjunto imaginário de três artistas americanos. Um poeta, chamado Clement Moore e dois desenhistas: Thomas Nast e Haddon Sundblom.

JS – E quanto aos seus pais?
VAPAI NOEL – Minha família, apesar de ser composta de lavradores, era dona de muitas terras e possuía um grande patrimônio. Meu pai chamava-se Epifânio e minha mãe era conhecida por Joana. Eles viveram durante o século III, por volta do ano 270, numa cidade de nome Patras, a alguns quilômetros de Mira, antiga província da Lícia. Religiosos por excelência, buscaram a Deus com todas as preces para que este lhes dessem um filho. Depois de muito esperar, finalmente eu nasci, recebendo deles o nome de Nicolau, que significa “uma pessoa vitoriosa”.

JS – E essa fama de homem bom começou quando?
PAPAI NOEL – Eu desde muito jovem despertei para a necessidade de fazer bem às pessoas. Minha família por ser rica nunca teve problemas com dinheiro. Por isso sempre ajudei aqueles que mais precisavam. A origem dessa minha capacidade de presentear as pessoas pode ser bíblica, como os Reis Magos do Oriente, Baltazar, Belchior e Gaspar, que saudaram o nascimento do Menino Jesus com incenso, mirras e presentes, mas é também familiar. Na casa dos meus pais, era comum aos sábados formarem longas filas de pessoas para receber alimentos, roupas e dinheiro.

JS – Os dotes fazem parte dessa opção de sempre ajudar?
PAPAI NOEL -Não apenas eles, embora essas histórias sejam as mais conhecidas. Na Província de Licia, na cidade de Patara, havia um guerreiro dos exércitos romano chamado Licondro. Fidalgo de nome, mas arruinado de finanças, vivia o drama de não saber como casar suas três filhas, pois não tinha como pagar os dotes. Esse costume havia em toda região da Ásia Menor. Por isso, vivia a propagar sua tristeza em condená-las à prostituição por não ter como casá-las. Então resolvi ajudar e deixei, às escondidas, um saco de moedas de ouro embaixo da janela da mais velha e já em idade de ter marido.

JS – Se era na janela, aonde entra a chaminé nessa história?
PAPAI NOEL – Esse meu gesto ganhou um destaque muito grande na comunidade e logo todos queriam saber o nome daquele bom samaritano. Ainda em segredo. continuei ajudando outras moças pobres em idade de casar e na mesma situação da filha do soldado romano. O que era um simples ato de solidariedade ganhou ares de história, chegando mesmo a se transformar em lenda. E como toda lenda que se preza, ganhou também muitas distorções. Uma dessas variantes, nascida da saga imaginária dos holandeses, dizia que eu havia atirado o saco de moedas pelas chaminés das casas e enchidos de dinheiro as meias que ali foram colocadas para secar ao calor. Existe no entanto uma terceira versão, baseada na lenda da deusa escandinava Herta, que aparecia nas chaminés das casas trazendo sorte as pessoas daquela família. Ainda hoje, em países frios como Holanda e Noruega e Dinamarca, as crianças colocam meias próximas das chaminés ou das lareiras na esperança de encontrá-las recheadas de presentes na manhã do dia seguinte.

JS – Mas a tradição também fala em sapatos…
PAPAI NOEL – Muitas vezes eu deixava um saco de moedas como forma de ajuda às famílias, colocando-os sobre as janelas, sempre acompanhado da mensagem “O menino Deus é quem te envia esse socorro”. Uma certa vez, uma ventania derrubou a janela e jogou o saco de moedas para o interior da casa, indo cair dentro de um sapato. O felizardo espalhou a notícia e logo virou costume deixar sapatos ao lado da cama para serem recheados de dinheiro durante a noite de Natal.

JS – Mas entre ser bom e ser santo existe muita diferença…
PAPAI NOEL – Meus pais morreram quando eu ainda era muito jovem. Um dos meus tios então sugeriu que eu, por ser muito religioso, deveria viajar até a Terra Santa. Convencido, embarquei num navio e durante a viagem houve uma tempestade muito forte assustando a todos. Então lembrei dos ensinamentos cristãos da minha infância e rezei pedindo a Deus uma calmaria, o que acabou acontecendo. A tripulação preferiu entender tratar-se de um milagre. Por causa dessa história, e mais tarde, ao ser canonizado como São Nicolau, me tornei o santo padroeiro dos marinheiros.

JS – São Nicolau ou Bispo Nicolau?
PAPAI NOEL – Depois dessa experiência retomei à cidade de Mira, onde passei a viver na pobreza, pois já havia doado toda a minha fortuna. Alguns anos depois, o bispo da cidade morreu e os anciões, por não conseguir escolher um sucessor, optaram por colocar a decisão nas mãos de Deus. Naquela mesma noite, o mais velho do grupo teve um sonho onde o Senhor lhe dizia que o primeiro homem a entrar. na igreja naquela manhã deveria ser o escolhido. Como era meu costume acordar cedo e me dirigir a Igreja para rezar, fui premiado pela profecia do sonho e me sagrei o bispo mais jovem da história de Mira. Como homem de igreja e com uma biografia cheia de “milagres” graças a crendice popular, não foi muito difícil, ao morrer, no dia 06 de dezembro de 350, ser elevado a categoria de santo. São Nicolau é hoje um dos santos mais populares do cristianismo. Só em Roma existem 60 igrejas com meu nome e, na Inglaterra, são mais de 400.

JS – Fale mais um pouco de sua vida como São Nicolau…
PAPAI NOEL – Além dos marinheiros, também fui escolhido padroeiro da Rússia e da Grécia. Minha fama de homem generoso ganhou o mundo e assim passei a ser visto também como milagreiro. Quer dizer, antes mesmo de me tornar Papai Noel, já era um distribuidor de presentes. Mas essa fase da minha vida é muito pouco conhecida e não foi das mais fáceis. Existe até quem acredite, mesmo entre filósofos e historiadores, que eu nunca existir de verdade. Mas garanto: seja como Nicolau de Bari ou como Nicolau de Mira, quem quiser pesquisar irá encontrar registro da minha vida exatamente entre os séculos III e IV, e das dificuldades pelas quais passei como cristão. Por acreditar em Deus e fazer o bem, fui preso e perseguido pelo regime romano.

JS – Preso?
PAPAI NOEL – Por ser Bispo e exercer uma preocupação pública com os pobres, e principalmente por ser cristão, fui perseguido, preso e maltratado em Roma pelo imperador Diocleciano, um inimigo implacável de quem se dispusesse a seguir os ensinamentos do cristianismo. Ele governou Roma de 284 a 305 e entre seus muitos feitos pagãos, tornou obrigatório o culto ao deus Júpiter. Quem me libertou foi Constantino, o Grande, – Flávio Aurélio Cláudio Constantino, Imperador de Roma entre os anos 306 a 337. Livre, voltei a minha vida de assistência religiosa, sendo um dos signatários do Primeiro Concílio de Nicéia. Os problemas e as perseguições diminuíram, mas ainda estavam longe de acabar. Nem mesmo depois de morto tive paz.

JS – Não ter paz, nesse caso, significa exatamente o quê?
PAPAI NOEL – Como São Nicolau o registro da minha morte é 06 de dezembro de 350, sendo sepultado num mosteiro da cidade onde exerci o bispado. Alguns séculos depois, em 1807, Mira foi tomada pelos Turcos e por isso alguns marinheiros italianos, temendo a profanação dos corpos, tomaram a iniciativa de levar os meus restos mortais para a cidade de Bari, na Itália, onde enfim repousam até hoje na Igreja dos Beneditinos. Esse episódio acabou sendo bom, pois a minha popularidade se propagou de tal forma em toda a Europa medieval, que a cidade de Bari transformou-se num dos mais procurados centros de peregrinação da fé cristã.

JS – O que vem a ser Concílio de Nicéia?
PAPAI NOEL – Foi o primeiro encontro religioso com características ecumênicas da história. Aconteceu em 325, convocado pelo Imperador Dionísio, disposto a frear o avanço de algumas ideias pagas remanescentes do seu antecessor. Ao final do encontro foi elaborado um documento que ficou conhecido como “Símbolo de Nicéia”. Era o fim das atrocidades impostas pelo Imperador Diocleciano e também a condenação pública do arianismo – heresia do povo ariano (os mais antigos antepassados da família indu-européia) contra a igualdade das pessoas da Santíssima Trindade.

JS – E quanto o nome de Santa Claus?
PAPAI NOEL – Depois da Reforma, com a Europa convertida ao protestantismo, o culto a São Nicolau diminuiu muito sua intensidade. Mesmo assim, a minha história foi levada por colonos holandeses à América do Norte, onde me deram esse nome associado a figura de um velho bondoso e preocupado com as crianças. Começa então a minha fase de Papai Noel. Além da tradição, os holandeses levaram também o dia da minha morte, 06 de dezembro, para ser a data da grande noite de Natal. Papai Noel, com a cara, o nome, o trenó e as renas como conhecem hoje, só mesmo a partir do ano de 1831, quando tudo mudou. A imagem do Bispo com roupas escuras e tristes, deu lugar a uma figura alegre, bem nutrida, popular e associada as festas natalinas. Outras histórias recheadas de tradições também foram escritas pelas culturas holandesa e alemã, que alternadamente me puseram apelidos como “Sanct Herr Cholas”, “Sinter Claes”, “Sinterklass”, “Pelze-Nichol” ou “Sint Nocoloses”. Todos esses nomes, mais tarde, foram anglicanizados para “Santa Claus” por britânicos e americanos.

JS – O senhor sabe como o mundo lhe chama?
PAPAI NOEL – Nunca havia pensado nisso antes, mas agora, graças a Internet, pude finalmente reunir umas dezenas deles. Alguns são difíceis de pronunciar até mesmo para um poliglota como eu. Mas vamos lá. Na Áustria, me chamam de Christkind, Niklo; no Azerbajão, Shakhta Babah; na Bélgica, Saint Nicholas; no Canadá, Santa Claus; na China, Dun Che Lao Ren; na Costa Rica, EI Nino Jesus; na Dinamarca, Julemanden: na Inaglaterra, Victorian; na Estonia, Joulovana; na Filandia, Old Man Christimas; na Suíça, Julgubben; na França, Le Petit Jesus; na Alemanha, em cada região tenho um nome. Veja alguns: Pelzeicol, Weinacht, Pelzbock, Hans Muff e Knecht Ruprecht. Entre o povo Hindu, Ganesha; em Hong Kong, Sing dan lo ian; na Hungria, Karácsony Apó; na Islandia, Jolasveinn; na Irlanda, Santa Clause; na Itália, La Befana; no Japão, Santa Kurohshu; na Lapônia, Korvatunturl; em Latvia, Ziemmassve’tku veci’tis; na Libéria, Black Peter; na Lituania, Kaledu Senis; no México, EI Nino Jesus; na Holanda, Sint Nikolass; na Noruega, Pâ norsk; na Palestina, La Befana; no Peru, Papai Noel; na Polônia, Star Man; em Portugal, Pai Natal; em Porto Rico, Three Kings; na Rússia, Snegurochka; na Escandinávia, Juleniss; na Escócia, Santa Clause; na Sicília, St. Lucia; na Eslovénia, Bozicek; na Espanha, Papai Noel; na Suécia, Jultomten; na Turquia, St. Nicholars; no Uruguai, Jolly Old Elf; nos Estados Unidos, Santa Claus; no País de Gales, IIwyd e no Brasil e nos demais países de língua portuguesa, Papai Noel.

JS – Quem afinal lhe fez bonachão, barbas brancas e lhe deu esse um enorme saco para carregar?
PAPAI NOEL – Antes dessa minha aparência linda, minha imagem pública estava associada à fase de Bispo, o chamado conceito de São Nicolau. Foi assim durante mais de 1.400 anos, até que por volta de 1837, o cartunista americano Thomas Nast, com base numa descrição feita pelo seu compatriota e poeta, Clement Moore, numa canção de 1822 chamada “Twas the Night Before Christmas”, colocou no papel a minha primeira imagem. Para quem já havia sido chamado até de Elfo, o traço de Nast seria primoroso: um gnomo alegre, gorducho, pintado de verde, com longas barbas e cabelos extremamente brancos. Foi um sucesso. Dez anos depois já era capa da revista “Harper’s Weekly”, onde permaneci até meados do ano de 1886. No final do século XIX, nenhuma festa ou celebração natalina aconteceria sem que eu estivesse presente. Era o início da minha fase comercial e por causa disso fui – e ainda sou – duramente criticado pelos religiosos mais radicais.

JS – O cartão de Natal é dessa época?
PAPAI NOEL – Exatamente. Em 1886, uma das maiores empresas gráficas de Bostorn, a “Louis Prang”, foi quem primeiro no mundo lançou um cartão de Natal. Foi a primeira vez também que alguém me vestiu de vermelho. Essa cor passou a significar o espírito alegre do Natal em todas as casas onde se festejasse o nascimento do Menino Jesus. A partir desse cartão e do desenho de Last, minha imagem passou a receber contribuições de diversos artistas, até que, em 1931, o desenhista americano e publicitário Haddon Sundblom, contratado para essa missão pela “The Coca-Cola Company”, me deu forma humana, chegando a essa perfeição visual que sou hoje. A cor vermelha usada de forma pioneira no cartão, que já era marca de todas as peças publicitárias da empresa, foi mantida.

JS – O Senhor sabe alguma coisa desse seu, digamos, último “criador”?
PAPAI NOEL – Haddon Sudblom nasceu em Michigan, cresceu em Chicago e tornou-se uma lenda na indústria da propaganda americana. Dirigiu seu próprio estúdio por mais de 20 anos, onde ajudou a fortalecer a carreira de vários jovens artistas. A Coca-Cola foi um de seus primeiros clientes. Os anúncios com o Noel de Sundblom – como passaram a se chamar a série com a minha imagem definitiva – apareceram primeiro no jornal “Saturday Evening Post” e mais tarde em outras publicações de grande conceito nos Estados Unidos, como “Ladies Home Journal” e “National Geographic”.

JS – Houve algum tipo de inspiração, um modelo para se fazer alguém tão bonito?
PAPAI NOEL – Oh! Oh! Oh!, muito obrigado! O rosto original usado por Sundblom foi de um vendedor aposentado com o nome de Lou Prentice. Quando ele morreu, um amigo de Sundblom sugeriu que não haveria melhor sucessor para a criação como o próprio artista que a criara. Curiosamente, com o tempo, os traços nórdicos do rosto de Sundblom acabaram se aproximando aos meus. O último retrato de Papai Noel pintado por ele foi em 1966, 10 anos antes de sua morte. Desde então, a minha imagem associada à Coca-Cola não foi mais modificada. Ainda hoje a empresa reproduz – sem me pagar nada por isso – a clássica série de Sundblom em seus comerciais e nas embalagens festivas de final de ano.

JS – Onde afinal é a casa de Papai Noel?
PAPAI NOEL – Minha casa é o mundo, principalmente durante o Natal quando estou em todas os lares distribuindo presentes. Para correspondência e também para descansar nos meses de intervalo dessa que é a mais linda de todas as festas, meu endereço é a longínqua Korvatunturi (Colina da Orelha), na Lapônia, Norte da Finlândia. Meu outro endereço é Arctic Circle, SF 96930 – ROVANIEMI – FILÂNDIA. Para quem não sabe, Rovaniemi é a capital da região da Lapônia, no Círculo Polar Ártico. Nesses lugares, passo 11 meses observando e ouvindo tudo que as crianças fazem durante o ano. Antes eu fazia como a deusa escandinava Herta que só dava presente aos meninos que se comportassem bem. Aos outros, como forma de castigo, lhes dava feixes de varas verdes. Hoje não sou mais assim. Estou muito mais bonzinho e dou presentes a todos.

JS – Explique a história desse seu trenó…
PAPAI NOEL – A minha imagem foi evoluindo com o passar dos anos e muitos países contribuíram para essa aparência atual. O trenó, assim como as renas voadoras, vieram de lendas e tradições comuns na Escandinávia. Outros países de clima frio adicionaram peles curtas à minha roupa e atribuíram meu endereço como sendo o Pólo Norte. A imagem da chaminé pela qual eu entro nas casas, assim como este pequeno cachimbo são inspiradas em lendas surgidas na Holanda e Noruega, como a da deusa Herta, por exemplo.

JS – Quantos renas existem hoje naquela região?
PAPAI NOEL – São tantas que não consigo contar. Mas dotada de poderes excepcionais de cruzar o universo em razão de segundos, mágicas e lindas como elas, só existem as minhas em todo mundo. São oito no total e a cada uma dei um nome em inglês: Eu as chamo carinhosamente de Dasher, Dancer, Prancer, Vixen, Comet, Cupid, Donder e Blitze.

JS – O senhor se considera um instrumento de marketing?
PAPAI NOEL – O Papai Noel distribuidor de presentes tem suas origens nas boas ações de São Nicolau, inspirado nos três Reis Magos do Oriente. Contos sobre meus feitos sempre existiram, mas não posso negar que ganharam o mundo depois dessa explosão comercial e dessa política de divulgação que vocês chamam de marketing. Em alguns continentes, como o Europeu por exemplo, o hábito de se trocar presentes foi criado muito antes da minha fase de Noel, e em outra data: 6 de dezembro. O uso da minha imagem em produtos e nas campanhas de vendas, apesar das críticas, me parece normal. É livre para todos. Não cobro nada por isso. Viajo o mundo e ainda me divirto.

JS – Quem nasceu primeiro? O senhor ou o Natal?
PAPAI NOEL – Como Papai Noel ainda sou criança se comparado com a tradição do Natal. Os cristãos substituíram a antiga festa do sol romana (solstício) de inverno pela do Natal, de forte tradição familiar e associada à festa do Ano Novo. O Natal cristão é celebrada no dia 25 de dezembro, em comemoração ao nascimento de Jesus Cristo, mas essa data nunca foi uma unanimidade. De acordo com um antigo almanaque, a festa já era celebrada em Roma desde o ano 336 e sempre no início de janeiro. Na parte oriental do Império Romano, comemorava-se em 6 de janeiro tanto o nascimento de Cristo quanto seu batismo. No século IV, as igrejas orientais passaram a adotar o dia 25 de dezembro para o Natal, e o 6 de janeiro para a Epifania (palavra de origem grega que significa a manifestação da divindade a seus fiéis) e o dia de Reis. Já na Igreja Ortodoxa Russa, ao contrário das demais orientadas pelo Papa, a data do nascimento de Cristo continua sendo até hoje o 6 de janeiro.

JS – Essa questão não lhe parece bastante complicada?
PAPAI NOEL – O nosso calendário atual teve origem no Imperador Dionísio (aquele que me libertou da prisão por ordem de Diocleciano, quando ainda era São Nicolau, lembra?) que deu o nascimento de Cristo no mesmo ano da fundação de Roma: 754. Esse seria portanto o primeiro ano da nossa era. Porém, Josefo, um historiador de grande conceito junto a pesquisadores e teólogos relaciona o nascimento de Jesus com a morte do grande ,Imperador Herodes, falecido pouco antes da Páscoa, no ano 750. Nesse caso, a data correta seria 12 de abril.

JS – Mas é certo que alguém instituiu o dia 25 de dezembro como sendo o dia de Natal…
PAPAI NOEL – A festa de Natal foi instituída oficialmente pelo bispo romano Libério, no ano 354. Na verdade, o uso do 25 de dezembro não se deve a um estrito aniversário cronológico, mas também à substituição, com motivos cristãos, das antigas festas pagãs. A primeira destas celebrações a ser cristianizadas foi a festa “Mitráica”, uma das manifestações mais populares da religião Persa. Eles festejavam o Natalis Invict Solis, que quer dizer o nascimento do vitorioso sol. Havia também várias outras festividades pagãs decorrente do solstício de inverno, quando o astro rei começa a se reaproximar da terra fazendo com que os dias comecem a ficar mais longos. Uma dessas manifestações de maior prestígio em Roma era as Saturnálias, comemorada no dia 17 de dezembro. Nelas eram permitidos grandes excessos, troca de presentes, culto a Baco, deus dos vinho, e um direito impensável para os escravos em outras datas: assentar-se à mesa com os senhores e dela usufruíam sem qualquer tipo de restrições.

JS – A Bíblia, em dois momentos, fala dessa luz, mas nunca cita o sol…
PAPAI NOEL – As alusões dos padres da igreja e do Evangelho ao simbolismo de Cristo como sol de justiça (Malaquias 4:2) e luz do mundo (João 8:12), se referindo a Jesus Cristo, e as primeiras celebrações da festa na colina vaticana – local onde os pagãos tributavam homenagem às divindades do Oriente – expressam o sincretismo da festividade, de acordo com as medidas de assimilação religiosa adotadas por Constantino e referendadas pelo Concílio de Nicéia. Antes, o dia 25 de dezembro era tido também como o do nascimento do misterioso deus iraniano Mitra, o sol da virtude. No ano novo romano, comemorado em 1° de janeiro, havia o hábito de enfeitar as casas com folhagens e dar presentes às crianças e aos pobres. Acrescentaram-se a esses costumes os ritos natalinos germânicos e célticos, levados pelas tribos teutônicas após invadirem a Gália, a Grã-Bretanha e a Europa central. A acha de lenha, o bolo de Natal, as folhagens, o pinheiro, os presentes e as saudações comemoram diferentes aspectos dessa festividade.

JS – Havia outras opções de datas para o Natal?
PAPAI NOEL – Na verdade existia uma pluralidade de datas e o tema virou discussão entre os eclesiásticos da época que não chegavam a um acordo sobre qual o verdadeiro dia para se comemorar o Natal. Muitas eram as opções: 2 de janeiro, 6 de janeiro, 25 de março, 18 de abril, 19 de abril, 20 de maio e 25 de dezembro. Esta última apareceu pela primeira vez no calendário de Philocalus, no ano de 354. Somente nos dias do antipapa Hipólito, Bispo de Roma, Pontífice de 217 a 235, que encontramos a primeira evidência histórica da celebração do dia do nascimento de Cristo. Para uns, a data a ser escolhida deveria ser 2 de janeiro. Outros, no entanto, queriam o dia 6 por entender ser esse o dia do batismo de Jesus por João Batista, Ou seja: o seu verdadeiro nascimento espiritual. Finalmente, no ano 354, o Bispo romano Libério pois fim a questão e instituiu oficialmente, em nome da Igreja, o dia 25 de dezembro como sendo o do Natal e do nascimento de Cristo.

JS – A troca de datas foi tranquila ou houve algum tipo de rejeição?
PAPAI NOEL – O 25 de dezembro não significou para o mundo apenas o nascimento de Cristo, mas serviu também de parâmetro para a cronologia do ocidente, pois marca o ano 1 da nossa história. Mesmo assim, no ano 245, muitas foram às vozes contrárias ao que chamaram de oportunismo dos cristãos em usar o prestígio da festa do sol como referência para o nascimento de Jesus. Alguns teólogos mais radicais, como o grego Orígenes, considerado por muitos como o Pai da Igreja, condenou veementemente a idéia de se comemorar o dia do nascimento de Cristo, um judeu – como se ele fosse um Faraó. No final do século III e início do século IV, a Igreja finalmente consegue a cristianização das grandes festas pagãs ainda remanescentes. Ai estão incluídas todas as demais decorrentes do solstício de inverno, como as satunálias, em Roma, e os cultos solares entre os Celtas e os Germânicos. A nova postura religiosa se tornou vitoriosa diante das demais, exatamente por trocar o culto às árvores e aos animais pela promessa de um Deus vivo, único, e com poderes para resolver todos os males da humanidade em qualquer tempo. A ideia central da festa de Natal – pagã ou não – revela claramente esta origem.

JS – A simbologia da luz também foi levada em consideração?
PAPAI NOEL – Nada na história da Igreja acontece por acaso. Todos sabiam da fé pagã que acreditava ser a noite do dia 25 de dezembro a mais longa de todo ano. Isso explica a oferta de sacrifícios ao Deus Sol que, agradecido, nasceria de novo no dia seguinte proporcionando assim a volta da luz. A Igreja se aproveitou bem dessa simbologia e simplesmente trocou o sol pela figura de um menino. Deu-lhe o título de Rei – como assim também era chamado o astro – e passou a anuncia-lo como a luz que iluminaria o mundo não apenas na manhã seguinte, mas para todo o sempre. A luz – seja com o sol, lua, estrelas ou com o menino Deus – foi e continuará sendo um dos principais símbolos do Natal.

JS – Por falar em símbolos, temos algumas dúvidas sobre suas origens. Vamos tentar esclarecer algumas. Os pinheiros? A árvore de Natal?
PAPAI NOEL – Nem mesmo eu sei dizer ao certo quando surgiu a árvore de Natal. Mas ao longo da história ela foi incorporada aos hábitos de vários povos, embora muitas sejam as lendas que tentam explicar sua origem. A mais conhecida tem cerca de 1.200 anos e conta que um inglês chamado Wilfried, viajando pelo norte da Alemanha, encontrou um grupo de sacerdotes (duidas), prestes a sacrificar um jovem príncipe de nome Astolfo. O local escolhido seria o carvalho sagrado de Odin, pai de Thor, o mais importante deus da mitologia germânica. Wilfried então interrompeu o sacrifício, cortou a árvore sagrada, e em seu lugar, surgiu um lindo pinheiro tão sagrado quanto aquele que lhe dera origem. Não demorou muito, os alemães começaram a levar para suas casas, no Natal, mudas de pinheiros e ornamenta-las com frutas simbolizando fartura para o ano todo. Na Roma antiga já se pendurava máscaras de Baco, o deus do vinho, em pinheiros para comemorar a “Saturnália”. Na Alemanha, o padre Martinho Lutero (14831546), autor da Reforma protestante, montou um pinheiro enfeitado com velas em sua casa. O objetivo era mostrar às crianças como deveria ser o céu na noite do nascimento de Jesus Cristo.

JS – E o presépio?
PAPAI NOEL – A tradição atribui a criação do presépio a uma reconstituição do nascimento de Jesus Cristo feita em 1223 por São Francisco de Assis, em Greccio, na Itália. Mas essa representação já era conhecida desde o século IV. Em sua origem, existe um termo hebraico traduzido como praesepium, designando a manjedoura, os animais ou o próprio estábulo. Os presépios representam o nascimento e adoração do menino Jesus em Belém. Nossa Senhora, São José, anjos, pastores e animais à volta do recém-nascido, são as principais figuras do conjunto, no qual aparecem também os reis magos carregando seus presentes. Freiras portuguesas, na cidade de Lisboa, já montavam o cenário desde o ano de 1391. Aproximadamente no século XVI, a simbologia do presépio passou a ser dramatizada com danças e cantos populares. No Brasil, o presépio foi introduzido no início do século XVII, na cidade pernambucana de Olinda, pelo frei franciscano Gaspar de Santo Agostinho. Em todo o mundo, os presépios são montados no início do mês de dezembro mas não recebem a figura do menino Jesus até o dia de Natal. É o período conhecido como “advento”, quando os cristão se preparam – com orações, penitências e até jejum – para a chegada daquele escolhido por Deus como redentor do mundo.

JS – A Missa do Galo?
PAPAI NOEL – Assim como o presépio, São Francisco de Assis também acabou contribuindo para a expressão “Missa do Galo”. Ele reunia as pessoas em volta do presépio e celebrava uma missa a meia noite, hora do nascimento de Cristo segundo a tradição. Como os galos cantavam habitualmente as primeiras horas do dia e a missa sempre avançava madrugada adentro, o povo deu a essa celebração o nome de Missa do Galo.

JS – E a música “Noite Feliz” é uma das mais executadas do mundo. O Senhor sabe como ela surgiu?
PAPAI NOEL – Essa é a canção mais popular da noite Natal e só perde em execução para o “parabéns a você”. Ela nasceu na Áustria, em 1818. Ali, numa cidade chamada Arnsrdof, ratos entraram no órgão da única igreja do lugar e roeram os foles. Preocupado com a possibilidade de uma noite de Natal sem música, o padre Joseph Mohr saiu atrás de um instrumento que pudesse substituir o órgão danificado. Em sua peregrinação e andanças em busca de uma alternativa musical para àquela noite especial, começou a imaginar como teria sido na cidade de Belém, no dia do Nascimento. Fez então várias anotações e procurou o músico Franz Gruber responsável pela criação desta que é uma das melodias mais bonita e mais conhecidas de todo o mundo.

JS – O Senhor é muito barrigudo. Isso tem a alguma coisa a ver com o fato de se comer tanto no Natal?
PAPAI NOEL – Talvez. Visito muitas casas nesse período e na maioria delas encontro fartura na mesa. Por isso acabo provando um bacalhau na Noruega, um peru no Brasil, um caldo verde em Portugal, um arroz de polvo na Dinamarca, uma torta de nozes nos Estados Unidos, um coelho frito na Inglaterra, uma sopa de lentilhas na Argentina, um cabrito estonado na Espanha, broas e rabanadas na Alemanha, torta de figos no Japão e uma série de outras guloseimas espalhadas por esse mundo de incontáveis tradições culinárias.

JS – Alguns estudiosos da física acham impossível Papai Noel está ao mesmo tempo em tantos lugares e dizem até que o Senhor não existe…
PAPAI NOEL – Eu conheço bem essa história e até teriam razão se a minha física obedecesse a deles. Não é bem assim. Minhas renas são mágicas e podem se deslocar de um lugar a outro do planeta num piscar de olhos. Além disso, embora sendo único, tenho milhões, bilhões de outros pais que dividem comigo essa tarefa nobre de distribuir presentes e fazer a alegria das crianças. Tem sido assim há mais de meio milhão de anos e assim será por toda eternidade.

JS – No mundo de hoje o Senhor teria uma mensagem também aos adultos?
PAPAI NOEL – O Natal é verdadeiramente o maior de todos os símbolos representativos do nascimento de Jesus Cristo, filho de Deus, que nasceu para seguir um plano. Um plano no qual Ele é oferecido em sacrifício para morrer na cruz para que fossemos perdoados. Na época de Jesus Cristo, quem tivesse pecado e quisesse ficar livre deles tinha que oferecer um cordeiro em forma de sacrifício. Para Deus e para a humanidade, Cristo é o cordeiro sem pecado e sua morte serviu para limpar as faltas de homens e mulheres de boa vontade. A simbologia do Natal com suas árvores coloridas, os presentes, eu, os presépios e a figura central do Menino Jesus, são elementos de tradição e fé para serem absorvidos como símbolos da paz. O amor paternal, a fraternidade entre os povos, a solidariedade de amigos, de familiares, e até mesmo o perdão de inimigos, significa etapas de um emaranhado plano de Deus em busca da vida eterna e da paz entre os povos.

 

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