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Entrevista: JESUS CRISTO

Filho de Deus, Messias, Nazareno, Filho de Maria, Filho de José

Texto e Pesquisa: Carlos Andrade
Publicada na edição especial de natal do Jornal da Soamar, novembro de 2002

Ele tem 2003 anos de idade, ou 2007, ou ainda 2010, se for corrigido o erro cronológico atribuído ao Monge Dionísio que recebeu do Papa João I, no século VI, a missão de organizar o calendário tomando como ano I o nascimento Dele. Seu nome: JESUS CRISTO. Mas podemos chamá-lo de o Filho do Carpinteiro, o Messias, o enviado, o Filho do Homem, ou o Ungido. Nesta entrevista de respostas atribuídas ao próprio, porém pinçadas de um trabalho de pesquisa jornalística, o que menos importou foi a fé. Restou pouco, pois como afirmam alguns pesquisadores, apenas 20% de sua figura é história. Todo resto é fruto da capacidade de se acreditar ou não Nele. Mesmo assim, apesar dos 20%, poucos personagens exerceram sobre a humanidade uma influência comparável à Dele. Sob quaisquer óticas – religiosas, filosóficas, pedagógicas ou mesmo política – ou título – Filho de Deus, moralista, sonhador ou revolucionário , Jesus – um prosaico carpinteiro dos confins da Palestina – produziu uma das alterações mais profundas já ocorridas na civilização. A humanidade, então, nunca mais foi à mesma. Sua fama ganhou o mundo e até um fórum especial de estudo – o Seminário de Jesus. Com sede nos Estados Unidos, o Fórum reúne um colegiado internacional ao qual tem assento cerca de cem dos mais renomados estudiosos da Bíblia. O entrevistado desta edição especial de natal do Jornal da Soamar é uma figurinha carimbada desses cientistas da fé. Suas falas, seus milagres, sua descendência e até mesmo sua condição de Homem-Deus são exaustivamente analisadas a luz da ciência, dos cruzamentos cronológicos, do estudo de antiguidades e de qualquer outro instrumento que possa esclarecer as verdades, as omissões e as invencionices dos evangelistas. Apesar disso, ou também por isso, o nome Dele cruzou a eternidade. Sobreviveu a guerras, terremotos, incêndios, torturas, falta de escrita, traições, perseguições, crucificações, fogueiras, e, inquisições. Seu nome: Jesus, ou Jeshu, termo abreviado do hebraico Jehoshua. Seu pai: José, ou Joseph. Sua mãe: Maria, ou Myriam. Local de nascimento: Belém da Judéia, ou, Nazaré da Galileia. Estado Civil: solteiro, celibatário. Profissão: mestre de obra, carpinteiro, pregador, itinerante… Salvador do mundo…

JORNAL DA SOAMAR – Onde o Senhor nasceu exatamente?
JESUS CRISTO – Nasci em Belém da Judéia, provavelmente entre os anos 6 ou sete antes da contagem do calendário atual. A cidade de Belém (nome derivado do hebraico Bet Lehem, que quer dizer “casa do pão”), fica na Palestina central, a oito quilômetros ao sul de Jerusalém, em Israel, a 777m acima do Mediterrâneo e a 1.267m acima do mar Morto. Também é conhecida como Belém de Judá, para distingui-la de outra Belém, entre Nazaré e o monte Carmelo. Na época do meu nascimento, soube depois, governava a Galiléia o Imperador Augusto.

JS – Alguns historiadores, como o padre Luke Timothy Johnson, professor da Emory University, afirmam que o Senhor nasceu em Nazaré, o que lhe justificaria o nome de Nazareno?
JESUS CRISTO – A versão mais aceita indica ter sido mesmo em Belém. Maria já estava prometida a José e, conforme o costume judeu, mesmo sem união carnal, desde então já se consideravam casados. Com o anúncio da concepção pelo anjo de Deus, os dois passaram a morar junto e, ao atingir os 9 meses de gravidez dela, tiveram de se dirigir à cidade de Belém, por ordem do rei, por causa do censo. Pelo Edital real, todos deveriam se alistar em suas cidades de nascimento. Como José nascera em Belém, ele foi para lá com Maria, onde se deu o meu nascimento. A viagem inesperada confirmou o que já havia dito antes o profeta Isaias, que o “Salvador nasceria em Belém”. A cidade de Nazaré é citada nos Evangelhos não como a do meu nascimento e sim para situar o lugar onde o anjo Gabriel anunciou a Maria que ela teria um filho e este se chamaria Jesus, ou Emmanoel, para usar as palavras do profeta.

JS – Mas é certo que todos retornaram a Nazaré?
JESUS CRISTO – José trabalhava e tinha negócios importantes na cidade, pois Nazaré era uma pequena aldeia e servia como entroncamento de caminhos, sendo cruzada pelas caravanas que viajavam para o Oriente. Herodes ficou sabendo do meu nascimento em Belém por meio dos magos, que passaram a anunciar a chegada ao mundo do “Rei dos Judeus”. Isso provocou um ódio em Herodes que mandou matar todas as crianças até dois anos de idade. Avisado pelo Anjo de Deus, José fugiu para o Egito e só retornou a cidade de Nazaré depois da morte do rei.

JS – Em que se baseiam aqueles que afirmam que o Senhor nasceu em Nazaré?
JESUS CRISTO – Ninguém duvida do meu nascimento na Palestina. Os que afirmam que nasci na cidade de Nazaré defendem o argumento que as explicações do evangelista para a viagem de José e Maria até Belém seriam falsas. As provas, segundo eles, seriam os registros romanos da época, que mostram que o governador Quirino (que teria feito o senso que obrigou a viagem a Belém) só assumiu seis anos depois do meu nascimento. Ainda segundo eles, a história da viagem a Belém foi criada por que a tradição judaica considerava essa cidade o berço do Rei Davi e, conforme estava escrito no Tora, Eu deveria nascer com a mesma linhagem do primeiro Rei dos judeus.

JS – Como se explicam as diferentes datas do seu nascimento?
JESUS CRISTO – A culpa é do monge Dionísio, o Pequeno, (Dionisius Exiguus, em latim), um religioso, matemático e astrônomo romano. Por ordem do Papa João I, no século IV, ele fora encarregado de organizar um calendário cristão tendo o meu nascimento como marco 0. Dionísio começou então a contar os anos a partir da fundação de Roma e fixou a minha data de nascimento em 25 de dezembro do ano 753. Todavia, seus cálculos não estavam corretos, pois é mais provável que o meu nascimento tenha acontecido quatro ou cinco anos antes, no ano 749 da fundação de Roma, e não no 753, como determinou Dionísio. Do ponto de vista da moderna historiografia, a minha verdadeira idade seria 2011, ou mesmo 2014 anos e não 2007 tomando por base o calendário atual.

JS – Na verdade os próprios evangelistas alimentam esse tipo de dúvida…
JESUS CRISTO – Pode ser. Existem duas outras datas mais prováveis – 6 a 7 ou 3 a 4 – anos a mais. Um dos indicativos do erro se baseia na morte do rei Herodes Antipas. No livro de Mateus está escrito que Herodes teria mandato matar os meninos de Belém com menos de dois anos, para tentar me eliminar, no episódio conhecido como “a matança dos inocentes”. Estudos de pesquisadores em peças arqueológicas tem mostrado que Herodes morreu em abril do ano 4, antes do início da era cristã. Como eu e ele somos contemporâneos, é certo que o meu nascimento teria ocorrido seis a sete anos antes da sua morte, o que, certamente, altera para mais a minha verdadeira idade.

JS – No caso específico do dia, independente do ano, qual a versão mais correta?
JESUS CRISTO – O dia 25 de dezembro foi definido pela Igreja de Roma sem levar em conta as minhas afirmações a esse respeito. Primeiro porque eu jamais nasceria na efervescência de uma festa paga romana como a Saturnália ou o natalis invicti solis. No livro de João está dito que “o Verbo se fez carne, e habitou entre nós, cheio de graça e de verdade; e vimos a sua glória, como a glória do unigênito do Pai”. Na frase, habitou é a tradução de tabernáculo, que vem de tabernáculo, do verbo habitar. Porém é certo que nasci no período da festa de Tabernáculos, que é uma manifestação judaica. No calendário dos judeus, a festa ocorre no sétimo mês, o que corresponderia ao final de setembro e início de outubro no calendário atual. Quem fixou a data do meu nascimento em 25 de dezembro foi o Dionísio, aproveitando a celebração do Natalis Invictus Solis, uma festa pagã em homenagem ao Deus do Sol. Isso aconteceu cinco séculos depois da minha morte. Além do dia, ela também considerou o ano do meu nascimento como sendo o 753 da fundação de Roma, de acordo com o calendário Juliano.

JS – A data tem a ver com o nascimento da Deusa Mitra, ou não?
JESUS CRISTO – No ano de 375 São João Crisostomo escreveu que a data de 25 de dezembro foi introduzida pelos orientais. Entretanto, antes do ano 354, a Igreja Romana já o havia fixado para esta mesma data, segundo o calendário de Bucer. Essas diferenças foram resultado da preocupação da Igreja em fazer com que meu nascimento coincidisse e se confundisse com os dos deuses solares, os deuses salvadores, especialmente com o deus Invicto que era a mesma deusa Mitra. Naquele tempo, no dia 25 de dezembro, todas as cidades do Império Romano estavam iluminadas e enfeitadas para festejar o nascimento da Deusa Mitra. A preocupação de unir o meu nascimento ao de um símbolo de adoração, mesmo sendo pagão, demonstra o objetivo claro da Igreja que era consolidar a nova religião a partir de uma data conhecida e festejada pela maioria das pessoas. O mitraismo é um, mas está longe de ser o único exemplo.

JS – Qual a situação política da Judéia na época do seu nascimento?
JESUS CRISTO – Por falta de líderes, a nação judaica se encontrava numa situação de desgarramento e impotência. Situada numa zona de tensão entre os grandes impérios do mundo oriental, perdeu sua independência política desde o exílio da Babilônia, no fim do século VI antes de mim. Em seguida foi dominada por outros povos até que, depois de um breve período de independência, caiu em poder de Roma (ano 63 ªc). Com a morte de César, Herodes I, o Grande, conseguiu ser nomeado “rei dos judeus”, sob o protetorado romano. Seu reino foi dividido pelos romanos depois de sua morte, e Herodes Antipas ficou com a Galiléia e a Peréia. Quando nasci a Galiléia era um conhecido foco da resistência judaica contra Roma.

JS – Herodes Antipas foi então o seu grande perseguidor?
JESUS CRISTO – Minha mãe era casada com José, um carpinteiro de Nazaré onde viviam e onde lhes foram anunciados pelo Anjo de Deus do meu nascimento. Porém, antes eles tiveram que viajar até Belém atendendo a convocação de um censo. Lá eu nasci e, de acordo com o relato dos evangelistas, tive de ser levado em fuga para o Egito. Conforme está escrito, Herodes soube do meu nascimento, pelos magos, como aquele que deveria ser o “rei dos judeus”. Por essa razão ordenou uma matança de todas as crianças, em Belém, e no seu território, de todos os meninos de dois anos para baixo” (Mt 2:16). Felizmente meu pai José foi avisado em sonho por um Anjo e nos levou escondidos para o Egito, onde permanecemos até a morte de Herodes. Só então retornamos, Eu Maria e ele à cidade de Nazaré.

JS – Alguns historiadores afirmam que o senhor nasceu de uma lenda barroca?
JESUS CRISTO – Trata-se de uma versão onde a minha imagem está associada, em tempos antes de mim, a divindade tripartite da barroca mitologia maniqueísta, que postou um dos seus três “Jesus”, cheio de esplendor, vivendo na lua. É apenas uma das muitas concepções tidas como divinas antes da chegada do verdadeiro Filho de Deus. O próprio Santo Agostinho, que era maniqueísta, defendia essa versão antes de converter ao cristianismo e se transformar numa das figuras mais expressivas da minha fé.

JS – Explique melhor essa filosofia maniqueísta?
JESUS CRISTO – Uma postura religiosa primitiva que propunha a eterna luta entre as forças da luz e da escuridão. Sua inspiração vem de Manu, um cristão da Mesopotâmia do terceiro século. Seus adeptos se espalharam do Norte da África ao Sul da China. Na Ásia Central, por exemplo, a figura central do Jesus deles foi imortalizada ao fundir-se com a deidade budista Maitrya, numa metamorfose que gerou o futuro Budhisatva, que, a exemplo de mim, afirma que também voltará ao final dos tempos.

JS – Por que algumas pessoas contestam a existência dos Reis Magos?
JESUS CRISTO – Talvez pelo fato deles serem citados apenas no Evangelho de Mateus. Mesmo ele, nos doze versículos em que trata do assunto, não especifica o número deles. Sabe-se apenas que eram mais de um, porque a citação está no plural. E que vieram do Oriente – não há nenhuma menção bíblica que indique se eram ou não reis. Um brasileiro, o professor de história natural da Universidade Federal do Rio de Janeiro, André Chevitaresse, afirma que os magos são personagens criados pelo evangelista Mateus para simbolizar o meu reconhecimento por todos os povos. As figuras dos Magos permaneceram vivas através dos anos, mas foi somente no século III que eles receberam o título de reis. A introdução dos títulos fez justiça a profecia contida no Salmo 72, onde está escrito que “todos os reis caíram diante mim”. Bem mais tarde, por volta do século VIII, finalmente eles ganharam nomes: Belchior, Rei da Pérsia; Gaspar, Rei da Índia e Baltasar, Rei da Arábia. Em hebreu, esses nomes significam: rei da luz (Melichior), o Branco (Gathaspa) e senhor dos tesouros (Bithisarea).

JS – Pouco se sabe da sua fase de infância. Por quê?
JESUS CRISTO – Naquele tempo o mundo era dos adultos. Por isso, mais tarde, já falando em nome do PAI, afirmei que o Reino dos Céus seria das crianças, uma forma de mostrar a verdadeira importância do homem em todas as suas fases de crescimento. No entanto, no Evangelho de Lucas, está dito que a minha família foi em visita a Jerusalém quando tinha 12 anos, e na oportunidade, acabei me perdendo do resto da caravana. Na verdade, fiquei em Jerusalém e só fui encontrado por José e Maria três dias depois, no Templo, falando aos Doutores da Lei sobre as coisas do meu Pai. Essa é a primeira ação efetivamente minha, segundo a Bíblia, da missão a qual eu fora enviado. Tanto que ao ser questionado por José e Maria lhes respondi: “Por que me procuras? Não sabeis que devo estar na casa de meu Pai?” (Lc 2:48-49). O próprio Lucas, numa tentativa de explicar os anos seguintes, afirma que eu retornei então com eles para Nazaré, e era-lhes submisso crescendo em sabedoria, em estatura e em graça, diante de Deus e diante dos homens.”(Lc 2:52-53).

JS – O escritor português José Saramago afirma em seu livro, “O Evangelho segundo Jesus Cristo”, que o Senhor foi um garoto levado e até matou e ressuscitou passarinhos para impressionar os outros meninos?
JESUS CRISTO – Todas as versões a respeito da minha fase infantil surgiram muito depois da minha morte e são frutos de relatos ou textos (apócrifos ou não), a partir da minha condição de adulto. Essa é apenas uma delas. O mesmo Saramago afirma que eu deixei o meu Pai e Minha mãe e meus irmãos e ganhei o mundo, só retornando ao lar alguns anos depois, já adulto e próximo de iniciar aquilo que meu Pai me reservou. Fala do meu romance com Maria Madalena, de uma vida de pescador com Pedro e Tiago e até de casamentos e filhos. Longe de se constituir pesquisa, trata-se de literatura, e, como tal, está à mercê do autor.

JS – E quanto à ressurreição dos pássaros?
JESUS CRISTO – Eu prefiro ficar com a versão dos Evangelistas que aproveitaram como fato marcante da minha vida infantil o encontro no Templo com os Doutores da Lei.

JS – Mas até mesmo Lucas o esqueceu por mais de 20 anos…
JESUS CRISTO – Nos evangelhos, depois do episódio do Templo, o que importa mesmo são os acontecimentos da minha vida considerada pública, iniciada no período de “preparação”. Ou seja, dos 27 aos 30 anos. Mais precisamente entre o outono do ano 27, de acordo com os cálculos mais plausíveis, passando pela Páscoa do ano seguinte até os acontecimentos na Judéia e na Galiléia. Faz parte dessa preparação o jejum no deserto, durante quarenta dias e quarenta noites; o testemunho de João Batista aos sacerdotes vindos de Jerusalém, quando afirmara que “No meio de vós está alguém que não conheceis, aquele que vem depois de mim, do qual não sou digno de desatar a correia da sandália.” (Jo 1:26-27). Para o evangelista Mateus, a minha vida adulta começa aos 29 anos, já no Sermão da Montanha.

JS – Alguns textos, como os copta por exemplo, discordam dessa versão…
JESUS CRISTO – São escritos encontrados recentemente que foram produzidos no primeiro século da minha era. Isso não quer dizer que eles sejam mais autênticos ou contenham um número maior de verdades que os relatados nos evangelhos. No entanto não é difícil entender porque eles escreveram, coisas bem diferentes dos apóstolos. Os coptas, que mais tarde fundariam a igreja cristã etíope, foram considerados hereges justamente por nunca terem aceitado a minha dupla natureza – humana e divina. Para eles, eu representava apenas a segunda alternativa, como provam alguns dos seus próprios textos. Estes, aliais, na sua grande maioria, considerados apócrifos.

JS – Qual a sua ligação com os essênios?
JESUS CRISTO – Muitos pesquisadores tentam relacionar as minhas atitudes com outra corrente religiosa judaica, e se baseiam em pesquisas para justificar tais argumentos. A mais recente delas aconteceu com a tradução dos pergaminhos do Mar Morto. Esses escritos achados por acaso em cavernas próximas do Mar Morto, em 1947, criaram uma expectativa muito grande de que pudessem estar ali as provas necessárias para me ligar diretamente com os essênios. Estes representavam uma corrente religiosa asceta, e viviam isolados em comunidades e purificando-se à espera do Messias. Com o fim das traduções ficou provado que não existia nenhum indício dessa ligação, a não ser a indignação comum contra a dominação por parte do império romano.

JS – Então é verdade a sua postura de revolucionário?
JESUS CRISTO – Para alguns, naquele momento, eu até posso ter parecido um judeu sectário, um agitador político que ameaçava levantar os dois milhões de judeus da Palestina contra o exército de ocupação romana. Tudo o mais que se diz a esse respeito foi feito sem a fé na missão divina a mim determinada. Assim estava escrito e assim aconteceu com Moisés, Davi e Salomão. Os próprios samaritanos, que só queriam o direito de construir um templo sobre o monte Garizin também foram chamados de agitadores e revolucionários. Eram religiosos fervorosos, embora só acreditassem no Pentateuco e na autoridade de Moisés.

JS – Mas Roma enfrentava grupos armados que se opunham a sua dominação…
JESUS CRISTO – Eram grupos considerados marginais (bandido), sendo os mais importantes os zelotas e os Sicários. Apesar da causa comum, eram diferentes sob o ponto de vista social e ideológico. Enquanto os Zelotas eram de origem sacerdotal e lutavam por uma autonomia religiosa, os Sicários tinham suas origens da legião de camponeses da Galileia e lutavam pela liberdade social e política. Alguns escritos citam ainda a ação de um terrorista que atormentou a vida de Roma no tempo de Herodes, o Grande. Foi Judas, filho de um também bandido de nome Ezequias. Antes de ser preso, ele tomou de assalto o Palácio Real de Séforis, na Galileia, “se apoderou do arsenal e começou a assolar a região, assaltando e atacando os viajantes”.

JS – Qual o idioma que o Senhor utilizou na sua missão terrena?
JESUS CRISTO – Eu falava o aramaico, a língua corrente da Palestina, mas entendia muito bem o hebreu graças às lições tomadas na sinagoga e por ler constantemente o Torah. Nunca se deve esquecer que José me iniciou na arte da carpintaria e nela trabalhei durante um bom tempo. Alguns historiadores, com base em escavações recentes, afirmam que, ao mesmo tempo em que eu crescia em Nazaré, bem próximo era construída a monumental cidade de Séfores, idealizada por Herodes Antipas para ser a capital da Galiléia. Séfores estava ha uma hora a pé de Nazaré. Essa proximidade teria me levado a trabalhar nessa construção com meu pai. Ter ficado boa parte do tempo em Séfores explicaria o fato de eu ter adquirido cultura suficiente para não ser um camponês rústico graças ao permanente contato com a cultura do mundo helênico.

JS – Como funcionava o sistema educacional das crianças no seu tempo?
JESUS CRISTO – A educação familiar era acompanhada pela que se ministrava na escola e havia uma em todas as aldeias onde houvesse sinagoga. A formação básica acontecia dos seis aos treze anos e consistia no aprendizado da leitura, memorização de alguns trechos do Torah sob a orientação de um “mestre” chamado sopher. Além disso, havia também controle de um vigilante ou assistente da sinagoga chamado hazzan. Após os treze anos, somente alguns prosseguiam nos estudos superiores junto a algum sábio, sempre a forma de pequenos grupos. Essa capacidade adicional de sabedoria era chamada de tirocínio superior e permitia, entre outras coisas, interpretar a lei do Torah e sua aplicação às várias situações da vida. Essa preparação, no entanto, somente era exigida a quem aspirasse ocupar cargos de responsabilidade no tribunal ou na administração dos pequenos centros judeus da Palestina.

JS – É verdade que o Senhor também morou em Cafarnaum?
JESUS CRISTO – Lá eu vivi boa parte do tempo com os discípulos. Não passava de um simples povoado com cerca de 1.500 moradores naquela época. Escavações encontraram os restos da casa de um dos apóstolos, acredito que seja a de Simão Pedro (hoje conhecido como São Pedro). Também foi encontrado um barco datado da mesma época da minha passagem. Mesmo assim, ainda tem quem duvide do número de discípulos que viviam próximos de mim. De novo, a culpa é dos evangelistas que se mantêm coerentes apenas em relação aos oito primeiros. Os outros quatro têm muitas variações. Os que duvidam afirmam que o número de 12 foi uma invenção posterior a minha morte para espelhar, no Novo Testamento, as 12 tribos descritas no Velho Testamento.

JS – Quais as outras cidades que o Senhor visitou em sua fase de preparação?
JESUS CRISTO – Além de Cafarnaum, dentro da zona do lago da Galileia, visitei as cidades fenícias de Tiro e Sidon, Tiberíades, Gaulanitilde, Tariqueia ou Magdalena (terra natal de Maria Madalena), as confederadas conhecidas como Decápole e parte do sul da palestina como a cidade de Samaria, o território transjordaniano chamado Peréia até chegar a Jerusalém, na Judéia. A minha missão terrena se resumiu, portanto, em dois pólos distintos: na Galiléia, cafarnaum, Judéia e Jerusalém. Considerando a citação de três páscoas judaicas a peregrinação durou mais ou menos dois anos e meio entre o período do batismo no Rio Jordão com João Batista a crucificação.

JS – Os 12 estão na “Santa Ceia”. Ela existiu mesmo ou não?
JESUS CRISTO – Já na quinta-feira, prestes a consumação da vontade de meu Pai, me reuni com os apóstolos para celebrar com eles a minha última ceia na terra. Ela existiu sim, porém nunca da forma como fora retratado alguns séculos depois pelo pintor italiano Leonardo da Vinci e centenas de outros considerados renascentistas. Naquela época, como era costume entre os judeus, se comia deitado de flanco – como os romanos – e as mesas eram ordenadas em formato de U e não dispostas numa linha reta como ficou perpetuado nas telas. A Bíblia afirma que durante a ceia, Judas levantou para me trair ou, como alguns sugerem, para cumprir uma ordem dada por mim. Posteriormente fui preso no Jardim do Getsêmani, onde eu e os discípulos descansávamos para nos dirigir a cidade de Bethânia, onde ficaríamos hospedados. Provavelmente na casa de Lázaro e suas irmãs Maria e Marta.

JS – A versão bíblica do sinédrio também é falsa, segundo seus críticos históricos…
JESUS CRISTO – De acordo com os evangelistas fui levado diante do Sinédrio – Conselho dos Sacerdotes do Templo – para ser julgado e diante do Sacerdote da Lei reafirmei a minha missão divina, sendo este o motivo de minha condenação. O próprio Caifás me denunciou a Pilatos, que por sua vez me devolveu aos judeus que decidiram pela segunda vez pela crucificação. A dúvida pela minha presença diante do Conselho se baseia no fato do episódio ter ocorrido na páscoa, festa sagrada dos judeus durante a qual o Sinédrio jamais se reuniria. Quem defende essa versão, costuma dizer que o meu julgamento foi inserido tardiamente nos textos bíblicos e só foi possível por causa da ruptura entre cristãos e judeus.

JS – O Senhor teve ou não teve irmãos?
JESUS CRISTO – Tive e muitos. A questão, no entanto, não se resume a essa tese e sim se a minha mãe que era virgem antes de me conceber, se uniu com José e teve outros filhos. A confusão partiu da própria Igreja, quando por determinação do Papa Pio XII, em 1894, transformou em dogma a sua condição de imaculada afirmando que a mesma permanecera virgem até a morte. A decisão tinha um objetivo: tornar verdadeiro o título de Virgem Santíssima, como Maria passou a ser chamada por todos os católicos do mundo. Admitir uma prole maior a Maria é desmentir o dogma (lei inquestionável diante de Roma) da Virgem.

JS – Segundo Marcos, Mateus e Lucas, os seus irmãos e sua mãe vieram até o Senhor…
JESUS CRISTO – É preciso entender que em hebraico, ou mesmo aramaico, línguas que deram origem aos textos considerados bíblicos, irmãos, primos e afilhados eram todos definidos com a mesma palavra: adelphos. Por isso fica difícil saber se Maria, naquele momento, estava acompanhada dos seus próprios filhos ou dos seus sobrinhos. No mesmo livro de Marcos, eu perguntei a eles: Quem são meus irmãos e minha mãe? Diante da falta de resposta, acrescentei em seguida: Todo aquele que faz a vontade de Deus esse é meu irmão, minha irmã e minha mãe (Marcos, 3,35).

JS – Voltamos então a questão inicial. Maria teve ou não teve filhos?
JESUS CRISTO – Segundo a Bíblia sim. O próprio Marcos, o primeiro dos Evangelista (os outros três copilaram os escritos ou as descrições dele) afirma no capítulo 6, versículo 3: Não é Ele, o carpinteiro, filho de Maria e irmão de Tiago, José, Simão e Judas? E suas irmãs não estão aqui entre nós? Tiago inclusive, segundo o historiador judeu Flávio Josefo, liderou a comunidade cristã de Jerusalém contra as opressões de Roma. Maria é citada 19 vezes nos quatro Evangelhos e, em algumas das passagens, associadas aos seus outros filhos. Como toda mulher da época, Maria era simples e submissa ao seu marido. Ela nasceu em Nazaré, filha de Joaquim, um homem rico e generoso. Marcos a cita pela primeira vez, quando da sua vida em Nazaré, legalmente casada com José, da casa de Davi, e relata a anunciação pelo anjo Gabriel da misteriosa concepção por obra do Espírito Santo. Além de anunciar meu nascimento, o Anjo falou a Maria que sua prima Isabel, apesar da idade já avançada, também daria a luz a um menino e este seria chamado de João Batista. Maria esteve presente em todos os momentos do meu ministério. É citada na realização do primeiro milagre, quando transformei água em vinho nas bodas de cana, na minha presença no Templo, no sermão da montanha e no triste episódio da minha morte. Foi ela, ao lado de Maria Madalena, quem mais chorou e sofreu junto ao meu túmulo até à ressurreição.

JS – E quanto aos seus avós?
JESUS CRISTO – A questão genealógica em se tratando de uma geração com mais de dois mil anos não pode ser mesmo fácil. Mesmo os evangelistas – distanciados um dos outros por períodos considerados curtos de 30, 50 e até 70 anos, não conseguiram falar a mesma linguagem. Enquanto Mateus afirma que José é filho de Jacó e projeta uma descendência davídica (vindos de Davi) passando por Salomão e Sorobabel e chegando até Abraão, Lucas relata coisas diferentes. Segundo ele, o pai de José é Eli e a descendência, embora venha de Davi, passa por Nata-Zorobabel, uma linha de parentesco bem distante da indicada por Mateus, terminando em Adão. Essa contradição aparece também com relação ao meu nascimento. Mateus afirma ter sido natural eu nascer em Belém onde José e Maria moravam. Lucas discorda. Segundo ele, meus pais moravam em Nazaré e só foram a Belém para cumprir a profecia e, para justificar a viagem, utilizou a convocação do censo.

JS – O quê vem a ser a “lei do levirato”?
JESUS CRISTO – Talvez, vendo as coisas por essa ótica, possa se entender a confusão da dupla paternidade de José. Segundo a lei do levirato, José seria filho natural de Jacó e filho legal de Eli, irmão deste, pois de acordo com a prescrição bíblica um irmão (no caso Jacó) tem a obrigação de dar uma descendência ao seu outro irmão morto sem filho, desposando a viúva.

JS – Quantos Jesus de verdade existiram?
JESUS CRISTO – Na opinião dos pesquisadores que se dedicam a estudar a minha trajetória, tudo fica mais fácil quando se faz a separação do “Jesus histórico” para o “Jesus da fé”. O primeiro se refere a um homem que nasceu, viveu e morreu na Palestina do Século I. O outro, da fé, é o anunciado pela Igreja depois da Páscoa, o Cristo dos símbolos de fé das declarações dogmáticas. Nos dias atuais, toda essa discussão ganhou importância e foi iniciada uma terceira etapa: a investigação exegética, já definida como ciência. O apóstolo Paulo costuma lembrar que o encontro da minha biografia terrena com a do Cristo ressuscitado acaba sendo estéril. A ressurreição, através da qual foi possível manter “um Cristo vivo para todo sempre” é o diferencial que deu vida aos Evangelhos.

JS – A Igreja costuma citar o historiador Flávio Josefo, que nasceu na Palestina por volta dos anos 37 ou 38, como uma prova material da sua existência. Fale um pouco dele.
JESUS CRISTO – Foi um estudioso do Torah e tinha uma descendência materna que o ligava a família dos sacerdotes da família dos asmoneus. Aderiu ao movimento dos Fariseus e se preocupou com a política. Em 64 defendeu prisioneiros judeus em Roma, fez parte da resistência na Galiléia e foi salvo ao se render atribuindo a si o dom da profecia. Em sua obra “Antiguidades judaicas”, ele relata ao falar da sucessão do Procurador da Judéia, Albino, por morte de Festo, o golpe de estado dado pelo sumo sacerdote Anã. “Este, aproveitando a ausência do Governador romano mandou convocar o Sinédrio e fazer comparecer diante dele o irmão de Jesus, chamado Cristo, cujo nome era Tiago, e alguns outros transgressores da Lei e os mandou lapidar”.

JS – Fora os Evangelistas, seria esse o único a citá-lo em suas obras?
JESUS CRISTO – Na verdade é um conjunto de textos tidos como autênticos por uns e de origem duvidosa, segundo outros. Essa discussão começou com Flávio Josefo e se ampliou com depoimentos escritos de Eusébio de Cesárea (século IV), Jerônimo e o Bispo Algápios (século X) e o patriarca jacobita Miguel de Antioquia (século XII), em línguas tão diversas quanto grego, aramaico, árabe e siríaco. No ponto de vista de fonte de pesquisa, nenhuma investigação poderá ser feita sem tomar por base os Evangelhos canônicos: os três sinóticos, ou da mesma linha – Mateus, Marcos e Lucas – e o de João. Eles certamente foram escritos entre os anos 50 e 100. Os originais desses textos não existem mais, apenas algumas cópias bem antigas, feitas com um espaço de tempo superior a um século do texto escrito ou ditado por um dos meus apóstolos.

JS – O quê vem a ser o “Testimonium flavianum”?
JESUS CRISTO – São depoimentos de Flávio Josefo de fatos ocorridos na Palestina na época do Procurador Pilatos. Fala por exemplo do protesto dos judeus pela decisão de Roma de introduzir em Jerusalém as insígnias militares com a efígie do Imperador e da sublevação por causa de um projeto de Pilatos de construir um arqueoduto para a cidade de Jerusalém à custa do tesouro do templo. O texto ganhou importância por provar a minha passagem na terra, sobretudo quando a fé das pessoas passou a ser questionada. Muitos se empenharam no sentido de provar o contrário, por culpa, inclusive, dos evangelistas que não tiveram o cuidado de compilar as informações um do outro com a mesma fidelidade dos originais de Marcos, o primeiro de todos.

JS – O que diz exatamente esse texto ao seu favor?
JESUS CRISTO – A meu favor nada, apenas relata um fato histórico do ponto de vista cronológico e fazem justiça aos textos de Marcos, Mateus, Lucas e João. Em uma tradução literal o original de Josefo diz o seguinte; “ Por esses tempos surgiu Jesus, homem sábio (se é que na realidade se pode chamar homem). Pois ele era obrador de feitos extraordinários e mestre dos homens que aceitam alegremente a verdade (coisas estranhas), que arrastou após si muitos judeus e muitos gregos. Ele era considerado (chamado) Messias. Embora Pilatos, por acusações dos nossos chefes, o condenasse a cruz, aqueles que os tinham amado desde o princípio não cessaram (de proclamar que), passado o terceiro dia, apareceu-lhes novamente vivo; os profetas de Deus tinham ditos essas coisas e muitas outras inumeráveis maravilhas a respeito dele. Ademais, até o presente, a estirpe dos cristãos, assim chamados por referência a ele, não cessou de existir”.

JS – O Senhor sabe a data exata desses escritos?
JESUS CRISTO – Por volta do ano de 63 ou mesmo 64. Ou seja, duas ou três décadas depois da minha morte.

JS – E quanto aos evangelhos?
JESUS CRISTO – Os quatro Evangelhos foram escritos originalmente em grego, se bem que o de Mateus pode provir de um texto anterior, em aramaico, eu acho. Parece certo que os evangelhos sinópticos (como são chamados os livros de Marcos, Lucas e Mateus por apresentarem a mesma linha de pensamentos) foram escritos antes do ano 80, e o de João, no final do I século. Em cada um, são visíveis as diferentes personalidades dos seus autores, embora tenham um ponto comum: a trajetória de alguém de “imagem única” na história. A de um judeu a superar o judaísmo e ultrapassar a humanidade como exemplo do Homem-Deus, Jesus de Nazaré, único protagonista e herói de uma narração escrita a muitas mãos, embora com algumas contradições de datas e lugares, de versão única e incontestável.

JS – Além dos textos bíblicos, outros, considerados não canônicos reconhecem a sua existência?
JESUS CRISTO – Os evangelhos canônicos não foram às únicas narrativas cristãs sobre a minha vida. Muito já se escreveu ao meu respeito, embora boa parte desse documento não seja reconhecida por nenhuma igreja cristã. Em alguns casos os textos são tidos como invenções de características geralmente fantásticas, agrupados sob o nome de evangelhos apócrifos – segundo a terminologia católica – ou pseudo-apócrifos – para os protestantes, ou pentecostais. Além do judeu Flávio Josefo, que se referiu à morte de João Batista em termos que coincidem com o relato evangélico e menciona o martírio de Tiago, “irmão daquele Jesus que é chamado Cristo”, o maior dos historiadores romanos, Tácito, também se refere a mim quando fala do incêndio de Roma. Segundo ele, Nero, para desculpar-se de ter tocado fogo na cidade, atribui o incêndio aos cristãos, e completa: “eles são seguidores de Cristo, o qual, sob o principado de Tibério, o procurador Poncio Pilatos entregara ao suplício…”. A tradição judaica também coleciona elementos que confirmam minha passagem pela terra. Assim, tanto no Talmude de Jerusalém, como na Babilônia, encontramos dados que ratificam o que a igreja chama de “O Jesus histórico”.

JS – O que o Senhor sabe sobre o chamado “Quinto Evangelho”?
JESUS CRISTO – Essa denominação partiu dos pesquisadores e estudiosos de documentos históricos relacionados a minha passagem terrena. São manuscritos de Nag Hammadi, descobertos em 1945, onde fora encontrado um segmento chamado de “As Escrituras de Tomaz”. O texto é desprovido de narrativas biográficas, mas forma uma coleção de máximas e pensamentos atribuídos a mim. Por isso passou a ser chamado de “O quinto Evangelho”. No entanto, apesar de seu valor do ponto de vista histórico, ainda lhe falta o reconhecimento canônico.

JS – De onde vem esse nome de Jesus Cristo?
JESUS CRISTO – É uma versão grega de dois nomes hebraicos: Jesus (yeshu) vem da interpretação grega do nome hebreu “Yoshua”, que por sua vez é uma corruptela de “Yehoshuah”, que significa Jeová é Redenção. O segundo nome, Cristo, na verdade não é um nome e sim um título. Vem do grego “Christós”, já traduzido do hebraico “Mashiakh”, que significa “O Escolhido”, ou “O Messias” (Masiah). O título foi incorporado ao meu nome pelos meus próprios seguidores numa demonstração que acreditavam na minha condição de enviado de Deus e salvador do mundo.

JS – Para a história, o Senhor, às vezes, costuma ser mostrado como político, agitador e até guerrilheiro. É verdade?
JESUS CRISTO – Tudo está escrito e faz parte do Plano de meu Pai. A minha trajetória não é diferente da de Moisés que precisou enfrentar Reis e poderosos para libertar o seu povo. Comigo aconteceu à mesma coisa, pois Roma era dona de tudo e tudo pertencia a César. Ao deixar claro que era preciso respeitar as leis dos homens sem ofender as de Deus – A César o que é de César e a Deus o que é Deus – criei uma divisão até então inexistente. Por isso não faltaram às acusações de agitador, de um revolucionário político. Mas eu fui apenas um instrumento dos planos do meu Pai. Nunca incitei a luta armada contra os dominadores, nunca me aliei aos Zelotes (grupos armados que se opunham a opressão dos Romanos) e jamais tive a intenção de promover uma revolução sócio-política no sentido atual, por exemplo.

JS – Mas esse era o discurso de João Batista, aquele que o batizou…
JESUS CRISTO – Pelo contrário. João Batista, que era meu primo – filho de Izabel – pertencia ao movimento batista judaico e tinha afinidades com os monges essênios. Ou seja: sua linha de pregação se baseava na utilização religiosa da abluções, insistência no tema do arrependimento, acentuação da esperança escatológica e a purificação atraves da permanência no deserto. João Batista usava as margens do Rio Jordão como meio de divulgar a mensagem daquele que me enviou e, numa de suas pregações mais veementes, alertava o povo para os perigos das aparências. “Cuidado povo de Israel. O Deus vivo não pode ser enganado com aparências e tradições vazias. Não basta a profissão de fé a respeito da aliança se estiver separada da prática correspondente”. Desde João Batista a ética-religiosa condena qualquer tipo de violência, mesmo em meu nome ou do meu Pai.

JS – Ainda no caso de João Batista, ele mandava os seus inimigos se arrependerem e o contrário disso era o fogo do inferno. Não é uma contradição para um Deus Vivo que prega a paz?
JESUS CRISTO – São dois momentos distintos: o primeiro iniciado com Abraão Isaac e Jacó marcado por sacrifícios e sangue e o outro que começou com a minha vinda ao mundo para anunciar uma nova era. João Batista representa o fim da primeira fase. Ele estimulava a conversão, mas não realizava a salvação. Com a simbologia do Batismo pelo Espírito Santo, o Deus severo e vingativo dos julgamentos dos discursos do meu primo deu lugar, a partir de mim, a um Pai cheio de misericórdia, graça e perdão.

JS – João era Batista ou Batizador?
JESUS CRISTO – Seu nome era João e por causa da força da pregação e por batizar os convertidos nas águas do Rio Jordão, logo passou a ser chamado de “O batizador”, mais tarde traduzido para Batista.

JS – Por quê Herodes odiava tanto o seu primo?
JESUS CRISTO – Nos seus discursos em favor da moralidade e da observância às coisas de Deus, ele não poupava Herodes Antipas (filho de Herodes, o Grande) por este ter desposado Herodíades, ex-mulher de um seu meio-irmão, também chamado Herodes. Por causa disso, João foi preso e condenado a ficar no castelo-fortaleza de Maqueronte, onde permaneceu até ser decapitado. De acordo com depoimentos judaicos da época, Herodes teve o seu castigo divino. Na batalha contra Aretas, rei dos nabateus – e pai da mulher que ele havia repudiado para casar com a sobrinha Herodíades – teve seu exército totalmente aniquilado.

JS – Os discípulos de João se transferiram para o Senhor após o batismo?
JESUS CRISTO – Aqueles que o seguiam faziam pelo batismo e pela prática de alguns preceitos judaicos como a oração e o jejum. Ao contrário da maioria, após ser batizado, segui a minha missão, onde é certo, alguns dos seus foram comigo e mais tarde se transformariam em meus próprios discípulos. Eu seguir em direção a Peréia, enquanto ele se dirigiu para as fontes da Samaria.

JS – Por falar em discípulos, onde estão as suas discípulas?
JESUS CRISTO – Naquele tempo se dava muito pouca importância às mulheres e os evangelistas não fugiam a essa regra. Apesar da presença constante delas entre as pessoas que me cercavam, eles dedicaram pouco espaço a elas, exceto na morte e ressurreição onde são as únicas testemunhas presentes. No entanto, é sabido que muitas fizeram parte do meu rebanho aqui na terra. Podemos chamar de discípulas Izabel, prima de Maria, a Samaritana, Maria Madalena, Salomé, Marta de Bethânia, a minha mãe e Maria, irmã de Lázaro. Esta, inclusive, untou meus pés com óleo e os enxugou com os próprios cabelos.

JS – Lazaro é aquele que morreu duas vezes?
JESUS CRISTO – Ele, Maria e Marta faziam parte de uma família de amigos próximos e viviam na cidade de Bethânia. Ao ser anunciada a minha visita, Maria veio a mim desolada, pois havia três dias da morte dele. A fé daquela gente foi suficiente para que Lázaro acordasse da morte. No entanto, essa ressurreição foi uma demonstração de poder de Deus diante da morte e não da condição humana dele. Esta, certamente continuou até a sua morte definitiva.

JS – E Maria Madalena? Muito se fala que ela era sua esposa e até tiveram um filho?
JESUS CRISTO – Não existe evidência histórica que confirme tal dúvida, apenas algumas afirmações isoladas, como a do próprio Saramago e agora, mais recentemente, no livro do Dan Brown onde Maria Madalena é considerada o maior de todos os meus segredos. São registros pessoais e colocados em publicações literárias livres, onde se diz cada autor diz o que quer sem o compromisso da historicidade do ali relatado. Não aceito essas afirmações como sendo verdadeiras. A minha vida está nos evangelhos.

JS – Mas já se sabe até da existência de um Evangelho só dela. Essa é ou não uma verdade a ser levada a sério?
JESUS CRISTO – É verdade sim. Em 1945, em Nag Hammadi, no alto Egito, foram encontrados, em língua copta, textos fragmentados dos Evangelhos dela e de Tomé. A presença de tantos textos fragmentados pode ser atribuída, além de outros fatores, aos decretos e recomendações papais solicitando o não uso desses textos pelos cristãos. É conhecido o decreto Gelasiano (referente ao Papa Gelásio – falecido em 496), contendo uma lista de 60 livros apócrifos do Segundo Testamento, os quais os cristãos deveriam evitar. E muitos livros apócrifos foram para a fogueira. Como já disse antes, as mulheres são importantíssimas no início do cristianismo. Entre elas, além de Maria Madalena, posso citar Maria, minha mãe, Isabel, Verônica e Tecla. Nos evangelhos que a Igreja considerou apócrifos sobre minha mãe, vemos uma mulher diferente da que aparece nos textos canônicos. Se em Atos dos Apóstolos ela é aquela mulher subserviente, que está junto aos apóstolos, mas que não tem liderança, nos apócrifos ela discute de igual para igual exerce até uma certa liderança entre eles. Tecla, da mesma forma, era a companheira de Paulo na evangelização. Ela batizava. Mas pouco tempo depois da minha morte a voz silenciada. Tertuliano, que lutou contra o movimento de mulheres cristãs, no ano 200 E.C., escreveu o seguinte: “… Que elas se calem e que questionem, em casa, os seus maridos”.

JS – Quem substituiu Judas Iscariotes no Grupo dos 12 depois da traição?
JESUS CRISTO – Ao se reunir com os meus seguidores, numa espécie de avaliação dos acontecimentos gerados a partir da traição de Judas, Pedro, o líder dos apóstolos, tomou a palavra e determinou que um daqueles que sempre estiveram ao meu lado, ocupasse o lugar deixado pelo traidor. Dois nomes foram indicados: José chamado Barrabas e Matias. De acordo com as escrituras, eles, em oração, pediram minha intervenção, sob o argumento que “eu conheço todos os corações”. Foi escolhido então o nome de Matias. Ele, Pedro, André, Tiago, João, Felipe, Bartolomeu, Mateus, Tomé, Tiago filho de Alfeu, Simão chamado Zelota e Judas filho de Tiago, completam a nova lista dos 12. Pouca gente sabe, mas as despesas das minhas viagens e dos discípulos eram bancadas por um fundo comum, e o tesoureiro era justamente Judas Iscariotes. O mesmo que entraria para a história da humanidade como aquele que me trairia.

JS – Mas de onde exatamente vinha tanto dinheiro?
JESUS CRISTO – É preciso entender que a maioria dos meus discípulos era formada de pescadores, uma profissão considerada de classe média na época. Em alguns casos, se este fosse dono do próprio barco – como Pedro e seus irmãos – poderia ser até mesmo considerado rico. Mateus, por exemplo, era coletor de impostos, uma das profissões melhor remunerada no início do século.

JS – O jejum do deserto era mesmo necessário?
JESUS CRISTO – A tradição judaica sempre deu muita importância ao jejum e ao isolamento das pessoas como forma de purificação da alma. A minha jornada estava se iniciando na direção do calvário e era preciso estar preparado para as coisas que o meu Pai havia preparado para mim. As tentações – que os críticos preferem chamar de alucinações por causa da fome de 40 dias e 40 noites – representam o teste final para dimensionar se eu estava ou não preparado para a seqüência de acontecimentos que viriam em seguida. Marcos, no capítulo 1, versículos 14 e 15, afirma que depois da prisão de João Batista, em todas as minhas pregações, sempre repetir, até com uma certa insistência, “que o tempo se cumpriu e o Reino de Deus está próximo. Convertei-vos e credes no Evangelho”.

JS – O roteiro da sua caminhada com a cruz em direção ao monte Golgota é a mesma que os cristãos percorrem nos dias de hoje, em Jerusalém?
JESUS CRISTO – Fui condenado à morte por crucificação num dia de sexta-feira, na residência do prefeito Poncio Pilatos. Atravessei com a cruz a cidade de Jerusalém e depois de um grande trajeto, fui colocado entre dois ladrões. Os meus caminhos nada têm a ver com a chamada “via crucis” vendida aos turistas de hoje. Essa prática foi implantada no século XIV quando a cidade esteve nas mãos dos cavaleiros cruzados. Uma coisa porém é verdadeira: o morro do calvário (Gogota), localizado ao lado de uma pedreira, foi realmente o lugar da minha crucificação. Também não existe dúvida sobre a colocação do meu corpo em uma gruta próxima. Todo os demais acontecimentos a partir daí, considerando as versões dos apóstolos e dos textos apócrifos, não poderão ser considerados se não for levado em consideração à fé e a capacidade de cada um de acreditar. Muitas são as versões. Que eu teria sobrevivido ao martírio; que outra pessoa teria morrido em meu lugar; que meu corpo teria sido roubado e/ou a oficial, que relata a minha morte acompanhada da ressurreição ao terceiro dia e o retorno a casa de meu Pai.

JS – A Bíblia reserva um lugar especial às mulheres no episódio da sua morte…
JESUS CRISTO – Os evangelistas relatam que algumas mulheres foram ao túmulo no alvorecer do domingo. Ao chegarem lá o encontraram aberto e sem vigias. Foram então avisadas por um anjo que eu havia ressurgido dos mortos. Mais adiante a Bíblia relata a minha aparição à Maria Madalena.

JS – A questão do túmulo se encontrar sem vigia não se explica pelo fato do dia seguinte ser o sábado judaico?
JESUS CRISTO – O sábado se inicia no final da tarde de sexta-feira e termina no início da noite de domingo. Quando este terminou, Maria Madalena, Maria mãe de Tiago e Salomé compraram perfumes para ungir o meu corpo. E bem cedo, no primeiro dia da semana, ao nascer do sol, elas se dirigiram ao túmulo e encontraram a pedra que lacrava a entrada fora do lugar. Só então se deram conta que o túmulo estava vazio e sem nenhum soldado por perto. Isto está dito em Marcos 16: 1,3.

JS – É verdade que o Senhor morreu primeiro que os ladrões?
JESUS CRISTO – Essa é quase uma unanimidade e nem poderia ser diferente, visto eu ter sido o único a sofrer espancamentos e terríveis flagelações. Tudo isso agravado pela desidratação e pelo stress da caminhada até o Golgota. Também contribui para a minha morte ter sido mais rápida a situação debilitada do corpo por causa do jejum ao qual havia me submetido no deserto. De acordo com os evangelhos sinóticos, a morte antecipada de certa forma atendeu aos anseios dos próprios judeus. A sexta-feira da minha morte (provavelmente no dia 07 de abril do ano 33) não era uma data comum, por anteceder as festividades da páscoa. Naquela época era costume os romanos deixarem os corpos crucificados por algum tempo na cruz mesmo depois de mortos para servir de exemplo. Nesse caso, os judeus pediram que os corpos fossem retirados antes do entardecer daquela sexta-feira, evitando assim que essa operação precisasse ser feita no sábado mais sagrado do ano ou que ainda estivesse lá no domingo de páscoa.

JS – Isso explica a violência do crurifragium?
JESUS CRISTO – Diante da insistência dos judeus, os romanos, temendo uma possível revolta popular, acabaram atendendo a solicitação e permitiram a retirada antecipada dos corpos crucificados naquele dia. A Bíblia afirma que os dois bandidos ainda estavam vivos e, para acelerar as suas mortes, os romanos decidiram por aplicar o crurifragium. Ou seja, o método de quebrar as pernas e assim transferir o esforço de segurar o corpo apenas para os braços aumentando o sofrimento e acelerando a morte por asfixia. Dessa forma, todos morreram antes do sábado. No meu caso, não foi preciso quebrar as pernas, pois já estava morto. Mesmo assim, para não pairar nenhuma dúvida, um guarda romano resolveu enfiar sua lança em meu corpo já sem vida.

JS – Como o Senhor gostaria de encerrar essa entrevista?
JESUS CRISTO – Do mesmo modo que o apóstolo João encerrou os textos da Bíblia. No último versículo do Novo testamento, no livro do Apocalipse, capítulo 22, versículo 21, está escrito: “A graça do Senhor Jesus esteja com todos”. Amém.

 

Fonte:
Bíblia de Jerusalém, Bíblia Ecumênica (TEB), Revista Istoé, Revista Superinteressante, Jesus de Nazaré (Raimundo Fabris), Historiador Flávio Josefo, O Evangelho Segundo Jesus Cristo (José Saramago), Revista Manchete, Encontro com Deus Jesus Cristo Vivo (Alfonso Garcia Rublo), As Discípulas de Jesus Cristo (Ana Tepedino), Revista Veja, Com Jesus na Contramão (Frei Carlos Mesteres), Enciclopédia Barsa e o Evangelho Segundo Mateus (CNBB)