Presidente do Sindicato das Agências de Navegação Marítima do Maranhão – SYNGAMAR
Entrevista concedida ao jornalista Carlos Andrade e Publicada no Jornal da Soamar, edição setembro de 1991
“Quanto maior o nosso porto, maior será nossa capacidade de exportar”
Há quatro anos na presidência do Sindicato das Agências de Navegação do Estado do Maranhão – Syngamar, Ernest Otto Pflueger tem mostrado uma tenacidade digna do sangue que lhe corre nas veias. Filho de pais alemães, desde cedo esteve ligado as atividades internacionais graças as funções consulares da família. Ao chegar em São Luís, em 1933, o patriarca dos Pflueger já trazia credencias para ser o representante do seu Governo a serem exercidas na promissora capital maranhense de então. Em 1951 nasceu a Agência de Navegação Harms & Cia. E, dezesseis anos depois, com a morte do pai, o “Seu Ernesto” como é chamado pelos seus pares de porto, assumiu o controle dos negócios priorizando as atividades marítimas ao ponto de, em pouquíssimo tempo, a transforma-la numa das gigantes do setor. No Syngamar não foi diferente. Reformou conceitos, e deu unidade a uma categoria antes envolvida em uma disputa interna prejudicial a todos. Hoje não. As 14 empresas envolvidas – e filiadas – convivem de forma pacifica cada uma respeitando a especialidade da outra, onde, até mesmo as tarifas são iguais de modo a evitar abusos e prejudicar a concorrência. Nessa entrevista ele fala de Estiva, Codomar, Vale do Rio Doce, Alumar, Itaqui e privatização dos portos, E, como não poderia deixar de ser, de ser, de agenciamentos marítimos.
JORNAL DA SOAMAR – Vamos começar falando da São Luís de 50 anos atrás…
ERNST PFLUEGER- São Luís sempre foi um porto comercial, visto todas as suas necessidades serem atendidas por mar. É desse tempo os famosos navios da Ita que aqui chegavam com cigarros, cebolas, carnes e até cervejas…
JS – Já havia agente naval?
Ernest – Apenas três. Nunes dos Santos, Booth Lines e Francisco Aguiar. Os navios chegavam ao Porto de São Luís, em frente a Rampa Campos Melo, e as mercadorias eram transportadas pelas alvarengas até os armazéns do Estado. Por isso, os Agentes eram, também, empresas estivadoras.
JS – Esse ciclo durou até a construção do Porto do Itaqui?
Ernest– Sim. Com o porto do Itaqui o fluxo de navios e mercadorias aumentou consideravelmente, dando início, inclusive, a fase de exportação. Com isso, os números de Agências cresceram na mesma proporção do mercado.
JS – Qual o principal produto de exportação no começo das operações no porto do Itaqui?
Ernest – Torta de babaçu, tendo atingido em seu ponto máximo com carregamentos de até 6 mil toneladas. Basta imagina o tamanho dos navios de então – 4 mil toneladas – para se entender como cresceram as atividades portuárias de São Luís.
JS – Itaqui, Ponta da Madeira e Alumar. Quantas agências atendem hoje esses três portos?
Ernest – São 14 e todas filiadas ao nosso Sindicato. Aquelas três primeiras acabaram e foram surgindo outras. Veio a Harms em 51, depois Salim Duailibe, Pedreiras, Arens Lagen e assim por diante. A maioria delas oriundas de Vitória, do Rio de Janeiro e de Cepetiba. Todas vieram em função da expansão do nosso mercado provocada pela implantação do Projeto Carajás.
JS – O senhor está no segundo mandato a frente do Sindicato dos Agentes Navais. Como é feita a mudança de diretoria?
Ernest – O mandato do Presidente é de dois anos com direito a uma reeleição. Recebi o cargo das mãos do companheiro Maneco Nunes dos Santos que durante muitos anos foi presidente da então Associação dos Agentes Navais. Entidade precursora do Syngamar. Nosso mandato acaba em março do próximo ano (1992).
JS – Fale das dificuldades dos primeiros momentos.
Ernest – A principal dificuldade de antes era no setor das comunicações, onde tudo era feito via Westen. Hoje, uma agência moderna – isso vale para a maioria dos nossos associados – tem seu rádio VHF, FAX, TELEX e naturalmente uma central telefônica dotada com busca automática com cinco ou seis números.
JS – O que é preciso para ser um Agente Marítimo?
Ernest – É uma atividade empresarial como outra qualquer onde é preciso gostar do que se faz. Mas existe uma condição básica: É vital para o sucesso do negócio ter armador. É preciso ter contato com dono de navio. Ou seja, se o sujeito abrir uma agência, dotá-la de toda as condições técnicas e não conhecer nenhum dono de navio, jamais será um Agente de Navegação.
JS – Por exemplo?
Ernest – Não foram uma nem duas ou três que imaginaram ser o Maranhão o Eldorado para as atividades marítimas e se deram mal. A condição básica, é, portanto, ter nome ou uma referência internacional.
JS – Considerando o empresário ter essa referência, quais as exigências legais?
Ernest – Recomenda-se, como primeiro passo, o registro no SYNGAMAR. Em seguida o Sindicato se encarrega da divulgação aos órgãos competentes, como Polícia Federal, Receita Federal, e as autoridades portuárias nos três portos e, principalmente, a Capitania dos Portos do Estado do Maranhão.
JS – Tais exigências, e regras, se aplicam somente no caso de ser Agência Naval?
Ernest – Seja o que for. Qualquer pessoa que hoje tenha a pretensão de entrar em um dos nossos portos, precisa primeiro recorrer ao Syngamar. Nós fazemos a triagem, apresentamos essa pessoa às autoridades portuárias e só então lhe é garantido o acesso. Isso vale para fornecedores, lavanderias, oficinas ou qualquer outra atividade profissional. Essa é uma conquista nossa, pois havia a necessidade de moralizar as inúmeras atividades exercidas dentro da área dos nossos portos.
JS – Qual o relacionamento do Sindicato com a Marinha?
Ernest – Excelente, aliás com todos os órgãos. Aqui mesmo no Sindicato (que funcionava no mesmo endereço da Harms, (Praça Gonçalves Dias, 301) temos uma sala onde costumamos nos reunir uma vez por mês de maneira informal. Não tem discurso, não tem presidente, onde vêm todas as autoridades, fornecedores e despachantes. Um trás o whisky, outro trás os sanduiches e, de forma descontraída, resolve-se todos os problemas. Essa é uma prática adotada por nós com excelentes resultados.
JS – Nesse caso, a chamada concorrência, como fica?
Ernest – Ao contrário dos sistemas de “gato e cachorro” de quatro anos atrás, estabeleceu-se um acordo de cavalheiros onde as especialidades são respeitadas. Quem opera com longo curso, cabotagem, estiva ou navios poloneses tem seu espaço mais importante. Adotou-se o sistema de tarifa e nenhuma alteração pode ser feita sem a concordância de todos os envolvidos.
JS – As tarifas portuárias são as mesmas em todo o país?
Ernest – Cada estado tem as suas, visto os sindicatos serem diferentes. Porém, temos tido o cuidado de estabelecer preços para o Maranhão bem menores daqueles cobrados pelos portos de Belém ou São Paulo, por exemplo.
JS – Empresas estatais nas administrações dos portos ajudam ou atrapalham?
Ernest – Órgãos de Segurança Nacional até aqui sempre foram entregues a estatais. Algumas funcionam muito bem, outras mais ou menos. Algumas tem pessoal competente, outras nem tanto. No caso específico do Maranhão, a CODOMAR nos é muito importante porque estabelece normas, exerce autoridade. Isso, no caso dos portos, é muito importante. E nós temos excelente administração portuária em se tratando de CODOMAR.
Eu concordo com a filosofia do Comandante Viégas de que é preciso quebrar o ciclo “de que não se exporta porque não tem porto e não se tem porto porque não se exporta”
JS – Como os armadores estrangeiros estão se comportando em relação aos dois últimos acidentes com navios na área do Itaqui e Ponta da Madeira?
Ernest No ponto de vista de segurança esses acidentes não afetaram em nada a imagem dos nossos portos. Nem poderia. São 600 navios por ano (dois por dia em média) e estes dois casos isolados representam os únicos exemplos em quatro anos. Além disso, as entradas dos portos são altamente sinalizadas, existe as cartas, existe um serviço diário de sinalização feito pelo SSN-42, um órgão do Ministério da Marinha e um cuidado muito grande com as boias. Além disso, já se provou ter sido falha humana os acidentes com o Norsul Trombetas e o Orad.
JS – Como encontrar trabalho para as estivas considerando a velocidade em que os portos estão se modernizando?
Ernest – Este é um problema extremamente delicado. Principalmente por se tratar de uma questão social. São 400 membros dos Sindicatos dos Estivadores que praticamente não têm mais o que fazer. No caso do minério e dos derivados de petróleo já não se utiliza mais a estiva. Os estivadores inclusive, já apresentam idades avançadas pois não existe reposição em virtude de não haver trabalho. E isso é, de fato, um problema.
JS – Qual seria a solução? Se é que existe uma…
Ernest – Como já disse é uma questão delicada. Eu vejo como saída, alguém ou uma empresa estivadora, manter uns 30 homens trabalhando, o que corresponde a um, ou, no máximo, dois “ternos”. Agora como Sindicato está muito difícil de ser mantido.
JS – Quem deixa mais lucro nas Agências, o alumínio da Alumar ou o minério de ferro da Vale do Rio Doce?
Ernest – São operações diferentes. O navio de alumínio leva 8 dias no porto e transporta 10 mil toneladas. O de minério, passa 30 horas atracado e transporta 200 mil toneladas. Por isso existem tabelas diferenciadas para cada tipo de produto.
JS – A CODOMAR vive a expectativa de duplicar a capacidade do porto do Itaqui. Existe demanda para uma ampliação desse porte?
Ernest – Eu concordo com a filosofia do Comandante Viégas. É preciso quebrar o ciclo de “de que não se exporta porque não tem porto e não se tem porto porque não se exporta”. A Harms como representante da FRONAPE, lutou muito para a construção de um píer petroleiro visando a retirada dos navios de petróleo da área do porto propriamente dita. Todos os dias, nós temos dois navios atracados e qualquer um outro de carga geral tem de esperar. Com o píer, libera-se, imediatamente 60 a 70% de área de cais do Itaqui.
JS – A CODOMAR fala em dois anos a conclusão do píer…
Ernest – Esperamos que sim. Afinal, mais de 60% da obra já está pronta. Um outro detalhe, a simples conclusão dessa unidade do Itaqui, garante uma área livre de 480m de cais, que já está sendo negociada com autoridades do Governo, inclusive com CVRD, a construção de um “pier” (o píer 2 da Vale) específico para grãos. Já existem 160 Km de ferrovia prontos, e isso é uma garantia de carga para qualquer projeto expansionista. Se houver porto, não tenha dúvidas, haverá cargas e…navios.
JS – Quando começa a responsabilidade do Agente com o navio?
Ernest – Algumas semanas antes do mesmo chegar ao porto. Ao ser nomeado, o Agente começa a trabalhar imediatamente. É preciso providenciar cais, praticagem, licenças, saúde de portos. Quando o navio chega ao porto, é preciso despachar a carga, providenciar caminhões, checar os guindastes, a energia e a estiva. No momento do navio sair, a documentação tem de estar toda conferida, os manifestos em ordem, os conhecimentos e os resultados das análises.
JS – Acabou?
Ernest – Ainda não. É preciso pagar todas as contas. Essa operação – da nomeação ao fechamento das contas – demora cerca de 60 dias. Uma empresa com dois navios diários no porto, dá pra imaginar a trabalheira que isso significa.
JS – Quanto custa uma operação dessa?
Ernest – Um navio da Ponta da Madeira, por exemplo, custa US$ 100 mil dólares de despesas. Dos quais, 70% é custo com rebocadores e praticagem.
JS– Como o Presidente do SYNGAMAR vê o Agente Marítimo?
Ernest – Nós somos uma indústria sem chaminés, pois produzimos muito sem ônus para o país. Mais: os Agentes de Navegação agem hoje em nome de 13 órgãos diferentes de arrecadação de impostos para o Governo. É assim que eu gostaria que a nossa categoria fosse observada pela sociedade. Uma indústria geradora de riquezas e de dinheiro… muito dinheiro.