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Entrevista: A BÍBLIA SAGRADA

A BÍBLIA
Três mil anos de história não compromete a atualização do maior de todos os livros


Texto e pesquisa Carlos Andrade
Publicado na edição especial de Natal do Jornal da Soamar, novembro de 2001

“Aqui está a Verdade da Palavra de Deus”, segundo a interpretação dos Palestinos.
“Aqui está a Verdade da Palavra de Deus”, segundo a interpretação dos Gregos.
“Aqui está a Verdade da Palavra de Deus”, segundo a interpretação dos católicos.
“Aqui está a Verdade da Palavra de Deus”, segundo a interpretação dos evangélicos.
“Aqui está a Verdade da Palavra de Deus”, segundo a interpretação de Maomé.
“Aqui está a Verdade da Palavra de Deus”, segundo a interpretação dos babalaorixás.
“Aqui está a Verdade da Palavra de Deus”, segundo a interpretação dos Mórmons.
“Aqui está a Verdade da Palavra de Deus”, segundo aqueles que não acreditam Nele.

É isso mesmo. A verdade da palavra de Deus e até mesmo o próprio depende de uma interpretação, de um ponto de vista, ou de uma crença. Se assim não fosse, não haveria tantas Religiões no mundo. São mais de dois mil anos de história, três mil traduções, milhares de rolos, papiros, cordex, narrativas, cartas, epístolas, evangelhos e uma série de outras vias de perpetuação de um conjunto de mensagens supostamente divinas onde, provar que não são, tem se mostrado um desafio tão difícil como provar as suas veracidades. Nesse trabalho de pesquisa puramente jornalístico, a fé foi o que menos importou.

A exemplo do que já fizemos antes com Papai Noel, este ano, por causa do Natal e sua inevitável associação com Deus, voltamos a brindar os leitores do Jornal da Soamar com uma entrevista onde só o entrevistado no caso, A BÍBLIA, é fictício. Suas respostas não. Elas estão revestidas da verdade mais possível sustentadas por pesquisas, estudos, relatos, escritos antigos, enciclopédias, dados obtidos através da rede mundial de computadores, e uma dezena de outras fontes colhidas ao longo do ano com esse propósito.

O objetivo aqui não é negar a existência de Deus, questionar sua divindade e muito menos se a Igreja Católica – ou qualquer outra – tem ou não autoridade para falar em nome Dele. Nessa entrevista, a questão da fé conta pouco. O importante, a partir de uma fórmula eficiente de perguntas e respostas, é saber quem é e quantas são as Bíblias.

A seguir o leitor vai saber quem a escreveu, como escreveu, e como os sábios dos primeiros tempos determinaram os critérios para se garantir a inspiração Divina de um texto. A Bíblia é, portanto, uma reunião de livros onde até mesmo o número deles é questionável. Para os católicos são 46. Para os Evangélicos ou Protestantes, se resumem a 37. Uma coisa é certa. De Moisés, o maior dos seus profetas, até são João, o mais apocalíptico, foram necessários 1.300 anos para que a mesma fosse escrita completamente. Muitos anos e muitas línguas. É o único livro do mundo que precisou de três idiomas para ver traduzidos em textos suas verdades: começou com o aramaico, continuou com o hebraico e fora finalmente concluído em grego.

JS – Qual seria a sua primeira definição?
BíBLIA – De forma simplificada, sou o conjunto de textos sagrado do judaísmo e do cristianismo. Há mais de cinco séculos ocupo o primeiro lugar na lista dos livros mais impressos, traduzidos, vendidos, lidos e comentados em todo o mundo. Uma das minhas versões mais antigas é a dos Setenta (LXX), versão grega traduzida do original hebraico por iniciativa de Ptolomeu Filadelfo. Meu nome vem do grego Biblos, que significa o conjunto de livros pequenos ou papiros. No entanto, eu prefiro ser chamada de “Sagradas Escrituras”, ou simplesmente “Escrituras”. Ao longo dos séculos fui sendo organizada de forma isolada até chegar aos tempos de Orígenes, que me dividiu em dois Testamentos. O Velho, ou Antigo, com 39 livros segundo o cânon hebraico, ou 45, de acordo com o Cânon Alexandrino, conhecido como Septuaginta ou versão dos setenta, aceita pela Igreja de Roma. A outra parte é chamada de Novo Testamento e foi totalmente escrito após a morte de Jesus Cristo, com 27 livros.

JS – Afinal, são 66 ou 72 livros?
BíBLIA – As duas coisas. Depende do critério adotado para a minha versão completa. Tudo porque a Igreja Romana, nos sínodos de Hipona e Cartago, realizados no fim do século IV e início do século V, decidiu utilizar o cânon dito dos judeus de Alexandria, com 45 livros, ao contrário do conjunto da Septuaginta.

JS – Mas existem divergências?
BIBLIA – A rigor, o cânon egípcio primitivo, chamado dos LXX, se compunha tão somente dos cinco livros da lei, atribuídos a Moisés, também chamados de Pentateuco. Só depois de muitos anos, não apenas os canônicos dos judeus, mas também alguns outros considerados por esses de interesses históricos e de edificação, embora não canônicos, foram adicionados ao conjunto, resultando numa coleção Alexandrina maior que a Palestina.

JS – A questão remota então anterior à escrita?
BíBLIA – Como sagrado a minha história remota ao tempo das narrativas. Ao inventar a tipografia – ou tipos móveis – em 1450, Gutenberg criou apenas uma referência histórica concreta da minha existência. Desde então, já com o nome de textos ou escritos, já fora impressa em mais de 300 idiomas e suscitou a publicação de milhares de obras de divulgação, interpretação ou comentário. A primeira Bíblia impressa pela invenção de Johannes Gutenberg, aconteceu no ano de 1455. Era uma versão impressa em latim e tinha 1.282 páginas.

JS – Vamos explicar então, didaticamente, a sua composição?
BIBLlA – Desde o princípio represento uma coleção de textos, divididos em duas partes: O Antigo ou Velho Testamento, reunido por etapas nos dez séculos anteriores ao nascimento de Jesus Cristo; e o Novo Testamento, escrito durante o século posterior a sua morte. A palavra “testamento” (testamentum na tradução latina da Vulgata) traduz o grego diatheke, que por sua vez é tradução do termo hebraico berith, “aliança”. O uso do termo diatheke – testamentum nos Evangelhos e nas Epístolas estabelece uma unidade espiritual entre os escritos cristãos e a coleção judaica. As origens mais remotas do Novo Testamento estão nas necessidades impostas pela catequese na igreja nascente. Segundo a tradição judaica, ocorreu que na primeira festa de Pentecostes que se seguiu à morte e ressurreição de Jesus Cristo, o Espírito Santo desceu sobre a comunidade cristã de Jerusalém, em forma de línguas de fogo. Os discípulos, cujo idioma materno era o aramaico, passaram momentaneamente a falar em línguas estrangeiras, e assim puderam ser entendidos pelos judeus da diáspora, presentes ao encontro. Para os Cristãos, o milagre de Pentecostes é entendido assim como um sinal para a divulgação do Evangelho, ou boa nova a todos os povos do mundo.

JS – Como esses temas se mantiveram vivos antes da escrita?
BíBLIA – Os apóstolos e os primeiros discípulos, que continuavam a participar do culto judaico, conservavam e transmitiam oralmente as lembranças e palavras de Cristo. Mas, à medida que iam se distanciando no tempo, da morte de Jesus e de Jerusalém, impôs-se à necessidade de registros escritos, como auxílio mnemônico. No caso do Antigo Testamento a preservação foi mais difícil ainda. Foram utilizados relatos, símbolos em papiros, rolos, pergaminhos, sinais cuneiformes e outras formas primitivas de se perpetuar às coisas. Já o Novo Testamento contempla comunidades lingüísticas e culturais bem diversas, que comreendem, num primeiro período, desde os judeus da Palestina até os gentios do Egito, Pérsia, Roma e mar Negro. Em 1947.

JS – Qual a participação da arqueologia em suas diversas versões?
BIBLlA – Até o século XIX, os estudos sobre a minha história sofreram limitações decorrentes da quase total ausência de informações históricas não incluídas e por conseqüência não narrados. Com as descobertas arqueológicas, foi possível compor um quadro geral mais nítido de todo o mundo antigo e contemporâneo da história de Israel e do cristianismo primitivo. Ou seja, desde a civilização sumeriana, da qual saiu o patriarca Abraão, até à época do helenismo, chegando ao Império Romano, período de grande expansão do Evangelho. A maior descoberta foi os manuscritos do Mar Morto, quando uma cópia completa de Isaías, fragmentos de Gênesis, Levítico, Deuteronômio e Juízes foram encontrados. Estes manuscritos datam do século I ou II no máximo. Temos evidência indireta que vem da versão grega do Velho Testamento, a Septuaginta, século III antes de Cristo, e o Pentateuco Samaritano, do IV século, possivelmente. Há diferenças entre este texto e o texto hebraico, mas, são de pouca importância. Foi encontrada também uma versão chamada a Hexapla de Origines que consistia de seis colunas paralelas, das quais a primeira escrita em hebraico e a segunda a sua transliteração para caracteres gregos. Outra raridade é a versão siríaca, usada pela Igreja na Síria, e desde o século nono de nossa era vem sendo conhecida como Pesita (em siríaco, pshittâ) ou tradução “simples”.

JS – É possível exemplificar uma dessas confirmações?
BíBLIA – Umas não, Várias. A mais importante aconteceu durante as escavações realizadas em Ur, cidade natal de Abraão, que permitiram a descoberta de textos alusivos a uma grande enchente, que se pode correlacionar ao dilúvio; e a localização de restos de uma construção que pode ser ligada à descrição da torre de BabeI. Em Nuzi, encontraram-se referências ao sacrifício de crianças – que Abraão substituiu pelo de animais – e ao roubo de ídolos, como afirmo no capítulo 31 do livro de Gênesis. No Egito, levantaram-se relatos sobre a invasão dos hicsos, ao tempo de José. Em Susa, na Babilônia, restaurou-se o código de Hamurabi, contemporâneo de Abraão. Numa Estela construída por volta do ano 1200 ante de Cristo há citações sobre Israel e Palestina.

JS – Mas isso não é apenas uma questão de interpretação. Ou seja, o pesquisador olha o que quer ver?
BíBLIA – Existe uma hermenêutica, uma doutrina e um método de interpretação dos meus textos. A ciência que estuda essas posturas de como interpretar se chama Exegese. É ela quem define a aplicação prática dessas regras, e para. isso criou algumas etapas. Vejamos algumas: Primeiro estabelece como texto original, os manuscritos, traduções antigas, documentos etc; dando-Ihes configuração do sentido contextual, para resgatar os significados que as palavras e expressões possuíam na época e no meio em que foram formuladas. Além do sentido literal, os pesquisadores buscam sentidos adicionais, baseados em outros princípios de hermenêuticas. O principal, e o único legítimo é o tipológico, que interpreta os fatos, personagens e instituições do Antigo Testamento como “tipos” ou prefigurações da realidade daquilo que relato no livro de Números, e que chamo de a Nova Aliança.

JS – Qual a visão de fé do povo judaico?
BíBLIA – Na liturgia do judaísmo os ritos datam do tempo da sinagoga. Começou no exílio da Babilônia, no século VI, antes mesmo do nascimento de Jesus Cristo. Esses ritos foram aos poucos substituindo o culto do templo. Como a sinagoga estava separada do templo de Jerusalém, cada instituição adotava sua própria liturgia. A congregação dos rabinos prestava culto à parte, em certos dias festivos prescritos por mim mesma. O povo prescindia de sacerdote, mas mantinha um estreito sentido de comunidade, que agia segundo a palavra de Deus, expressa em minhas escrituras. Eles obedeciam aos dias, semanas, meses e anos prescritos, numa certa ordem de vida comunitária. A leitura dos textos sagrados nas sinagogas era o ponto alto do culto, e muito concorreu para que esses escritos se tornassem familiar aos judeus.

JS – E quanto à fé protestantes? Os chamados Pentecostais?
BíBLIA – Estes estão divididos em um grande número de grupos culturais e religiosos, com perspectivas teológicas tão diversas, que não há como generalizar sobre as relações entre o culto e o que está dito em mim. Para os anglicanos, como também para a maioria dos luteranos do século XX, prevalecem as mesmas orientações vigentes para os católicos, com a composição de orações, hinos e cânticos. No entanto, certas correntes protestantes de orientação fundamentalista, ainda mantêm uma interpretação mais radicalmente literal. Para esses, nada que não esteja em mim deve servir como texto de culto. A liturgia protestante das demais confissões situa-se entre esses dois extremos.

JS – Do ponto de vista histórico, qual seria a sua versão mais antiga?
BIBLlA – Considerando o Velho Testamento é a Septuaginta, ou Versão dos Setenta (LXX). O nome tem origem na lenda segundo a qual 72 judeus, seis de cada tribo de Israel, teriam feito essa tradução para o grego em 72 dias. A façanha aconteceu na cidade de Alexandria, 300 anos antes do nascimento de Cristo. A LXX destinava-se aos judeus da diáspora – os que, voluntária ou coercitivamente – se encontravam fora de Israel. Do Egito, essa versão primitiva se espalhou por outras regiões, até tornar-se o livro oficial do judaísmo helenista. As traduções seguintes já compreendem a minha versão inteira, e foram feitas pelos iniciadores do cristianismo nas regiões orientais de Roma.

JS – O que vem a ser Diatessarom?
BIBLlA – O temo significa uma obra escrita por Taciano, discípulo de São Justino. Ele escreveu por volta dos anos 170 uma compilação dos quatro Evangelhos em um único livro, também chamado de Harmonia Evangélica. O Diatessarom foi escrito em grego, sendo mais tarde traduzido para o siríaco pelo próprio Taciano. Esse texto serviu como uma espécie de Evangelho padrão para os sírios até perto do ano 400, quando foi substituído pelos quatro Evangelhos separados. Hoje esses textos – tanto o grego como o siríaco – já não existem mais.

JS – A sua versão chamada de Targum também era judaica?
BíBLIA – Com o fim do cativeiro do Egito imposto pelos romanos aos judeus, o povo de Judá já não entendia mais o hebraico. Por isso foi preparada uma tradução oral da Bíblia em aramaico. Essa versão ganhou o nome de Targum, sendo escrita nesse idioma e guardada para servir de referência as gerações seguintes. A cópia hoje conhecida data de época muito posterior da original, mas grandes trechos remontam ao período pré-cristão.

JS – Qual a importância do teólogo grego Origines na elaboração dos seus livros?
BíBLIA – Ele viveu por volta do ano 245, e rapidamente se tornou o mais influente teólogo e especialista em meus textos, sobretudo aqueles mais antigos, da nascente igreja grega, Ele elaborou em Cesárea, na Palestina, uma versão do Antigo Testamento, denominada Hexapla, que em grego significa livro sextuplicado. A Hexapla reunia as versões grega e hebraica em seis colunas paralelas, na seguinte ordem: texto hebraico em caracteres hebraicos; texto hebraico em caracteres gregos; texto grego de Áquila (autor de uma tradução literal do Antigo Testamento); texto grego do sábio judeu Símaco; texto da Septuaginta; e texto grego do helenista judeu Teodócio. O trabalho consumiu vinte anos e totalizou cerca de sete mil páginas. Talvez devido a essa extensão, jamais foi copiado integralmente, e dele restam apenas fragmentos.

JS – O que vem ser a Vulgata?
BIBLlA – No século VIII a versão definitiva de São Jerônimo acabou por suplantar as demais traduções latinas, mas foi somente por volta do século XVI que passou a ser chamada de Vulgata. Vulgata significa alguma coisa de larga divulgação. O termo já fora usado antes ao se referir à versão dos Setenta ou a Utala. Quatro séculos depois, ao encerrar-se o Concílio Vaticano li, o papa Paulo VI designou uma comissão de peritos com a incumbência de realizar uma revisão da Vulgata – já se referindo a compilação de são Jerônimo – a fim de incorporar os resultados dos trabalhos exegéticos que se haviam acumulado nos últimos séculos e assim obter uma versão latina atualizada em relação à ciência religiosa do ponto de vista da atualidade.

JS – Foi são Jerônimo que dividiu seus livros em capítulos e versículos?
BíBLIA – Não. Essa novidade demorou mais de mil anos para ser introduzida. Até então, nenhum livro meu possuía essa característica. A idéia partiu do Arcebispo de Cantuária e professor da Universidade de Paris Estevan Bangton, em 1241 depois de Cristo. 300 anos depois, um outro editor parisiense, de nome Robert Etiene, fez o mesmo com o Novo Testamento em grego. No ano de 1565, Teodoro de Beza, me dividiu completamente em versículo.

JS – Quando seus textos passaram a ser escritos em português?
BIBLlA – Das traduções para o português, a mais antiga foi feita, no século XVII, por João Ferreira de Almeida, missionário católico na Índia, posteriormente convertido ao protestantismo. Baseado no texto grego, e por ser protestante, quase sempre discordou da Vulgata. De excelente qualidade também é a segunda tradução para o português do Antigo e do Novo Testamento, realizada no século XVI, por Antônio Pereira de Figueiredo. Esta, por ser baseada na Vulgata de São Jerônimo – que preferiu deixar de fora os livros apócrifos – teve maior acolhida dos protestantes que dos católicos.

JS – As versões se multiplicaram uma após outra?
BIBLlA – Em 1981 fui publicada como sendo de Jerusalém, traduzida dos originais, com introduções e notas traduzidas de La Sainte Bible, publicada em 1973 sob a direção da École Biblique de Jerusalém. Outras boas versões são a da Editora Ave Maria, traduzida dos originais hebraico, aramaico e grego, mediante a versão francesa dos monges de Maredsou. A Belga, pelo Centro Bíblico de São Paulo; e a do Pão, da Editora Vozes, diretamente dos textos originais, com introduções e notas explicativas e remissivas.

JS – É verdade que a sua versão em al emão foi escrita por Martinho Lutero, o protestante?
BIBLlA – É verdade sim, por volta de 1522, mas se resumia ao Novo testamento. Somente alguns anos depois, em 1530, o alemão Zwingli mandou acrescentar-lhe uma tradução do Antigo Testamento feita por seus companheiros Pellican, Bibliander e outros, quando passei a ser chamada de Bíblia de Zurique. Quatro anos depois, Martinho Lutero não se conformou e traduziu também o antigo Testamento, suplantando em conteúdo a tradução de Zurique. A versão Luterana completa Logo se tornou de uso comum por todos os protestantes de língua alemã. É o primeiro e talvez o maior documento da literatura alemã moderna, cuja língua foi determinada por essa obra. JS – Qual a verdadeira composição dos seus livros?

JS – Qual a verdadeira composição dos seus livros?
BIBLlA – Minha edição canônica completa, tem ao todo 73 livros, sendo 46 no Antigo Testamento e 27 no Novo Testamento. Esses dois grandes conjuntos estão segmentados em grupos, segundo sua natureza, autoria, sentido etc. Na versão cristã, a titulação dos livros leva em conta a natureza de seu conteúdo. Na hebraica, toma-se a primeira palavra do texto como título. A abordagem desses livros, quando examinados por grupos, proporciona uma visão mais completa do conjunto e ao mesmo tempo facilita a compreensão das linhas principais de pensamento que orientaram a minha composição dos dois Testamentos.

JS – Explique então os livros do Velho Testamento?
BÍBLlA – Para os judeus, representa a coleção dos livros bíblicos escritos antes do nascimento de Jesus Cristo. Os cristãos denominam essa coleção de Antigo ou Velho Testamento, porque entendem que eles testemunham os acontecimentos do passado, que preparam a vinda do Cristo e a prenunciam na palavra dos profetas. Cristo, como vocês sabem, é a tradução grega dada a palavra de origem hebraica “mashiah”, que significa também messias, “ungido”, o que vem para salvar a humanidade.

JS – Pentateuco é Antigo ou Novo Testamento?
BIBLlA – É o conjunto formado pelos meus cinco primeiros livros – Gênesis, Exôdo, Levítico, Números e Deuteronômio. A palavra Pentateuco é grega e significa livro em cinco volumes. Os judeus o chamam de Torá, palavra hebraica que significa lei, diretiva, instrução. Ou seja, o conjunto das instruções, ou leis de Deus, transmitidas ao povo israelita através de Moisés, o grande fundador de Israe1, como povo e como religião. Todos esses livros são de autoria do profeta Moisés ou, em muitos casos, inspirados por ele.

JS – Como Moisés pode ser autor de Deuteronômio se o livro narra a sua própria morte, ou subida aos céus?
BIBLlA – A tradição costuma atribuir a Moisés a autoria dos livros que compõem o Pentateuco. Mas isso é evidentemente impossível quanto a Deuteronômio que fala justamente da sua morte. A questão é discutível. Enquanto para os cristãos Moisés é o autor da maioria dos livros do Pentateuco, alguns hIstoriadores e críticos sequer admitem a origem mosaica dos quatro primeiros. Nesses livros, Deus é chamado alternadamente de Javé ou Jeovah, ou ainda de Heloin, o que demonstra influencia javista ou heloísta e até mesmo uma terceira linha de autores, representada pelos sacerdotes de Jerusalém.

JS – Moisés entrou ou não entrou na terra prometida?
BIBLlA – Depois percorrer 40 anos no deserto, já velho e cansado, ele abençoou todas as tribos que formavam o povo de Israel e subiu ao monte Nebo, para ver pela última vez a Terra Prometida, cujo solo, por determinação divina, jamais chegaria a pisar. Em Deuteronômio, eu afirmo que Moisés, servo de Javé, morreu ali, na terra de Moab, conforme a palavra de Javé. E o próprio Javé o sepultou no vale, na terra de Moab. defronte a Bet-Fegor; Até hoje ninguém sabe onde é sua sepultura, ou se ele de fato morreu mesmo ou subiu aos céus. Esse é um dos muitos mistérios de Deus.

JS – Como Jesus Cristo se portou diante dos Mandamentos?
BIBLlA – Embora censurasse o legalismo autosuficiente dos fariseus, Jesus assumiu a lei antiga: Ele afirma no livro de Mateus: “Não penseis que vim revogar a Lei e os Profetas. Não vim revoga-los, mas, dar-Ihes pleno cumprimento”. A plenitude da Lei e dos Profetas é o amor de Deus e do próximo, que é o dom de Deus por excelência. Nas igrejas cristãs, o decálogo, núcleo da lei antiga, tem sido usado como instrumento pedagógico na formação da consciência religiosa e moral. Santo Agostinho introduziu o decálogo nos ensinamentos para o batismo. No século XIV, o decálogo foi compilado nos manuais para a confissão. Protestantes e católicos incluem-no nos catecismos para a juventude; e os anglicanos, no serviço da comunhão.

JS – Fale um pouco do livro de Salmos, o maior de todos?
BíBLIA – Os Salmos, cerca de metade dos quais atribuídos a Davi, é uma coleção de 150 hinos de louvor a Deus, de arrependimento, de súplica, de ações de graças ou de VO’ rememoração de acontecimentos sagrados. Os judeus os usavam nas funções litúrgicas do templo. Os cristãos usam-nos desde o tempo dos apóstolos. O Cântico dos Cânticos é, de todos os livros do Antigo Testamento, o de interpretação mais polêmica devido a seu tema: o amor mútuo entre um amado e sua amada, que se unem, se perdem, se buscam e voltam a se encontrar.

JS – Seria então uma exortação à luxúria?
BIBLlA – Por empregar a linguagem de um amor apaixonado, causou estranheza e suscitou dúvidas até mesmo quanto a sua canonicidade. Uma das interpretações mais antigas é a que lhe atribui um sentido alegórico, ou religiosamente mais correto, preferiu ver nessas afirmações o amor de Deus por Israel, e do povo por seu Deus. Alguns exegetas católicos preferem a interpretação literal: os cânticos celebram o amor mútuo, confirmado pelo sacramento do matrimônio, que, como se sabe, nem sempre fora visto com as bases monogâmicas de agora.

JS – Mas mesmo os profetas estão divididos em grupos. Porquê?
BIBLlA – No Antigo Testamento, apresento os profetas em duas grandes divisões: os maiores e os menores. No primeiro grupo figuram Isaias, Jeremias, Ezequiel e Daniel. Os profetas menores, assim chamados não por serem considerados de menor importância, mas pela pouca extensão de seus escritos, são Oséias, Joel, Amós, Abdias, Jonas, Miquéias, Naum, Habacuque, Sofonias, Ageu, Zacarias e Malaquias.

JS – Quantos são os nomes de Deus?
BIBLlA – Javé, Iavá, Jeovah, Eloim e uma série de outros derivados dessas expressões que são as mais primitivas.

JS – Qual a data verdadeira do nascimento de Jesus Cristo?
BIBLlA – 25 de dezembro foi definida pela Igreja de Roma sem levar em conta as minhas afirmações a esse respeito. Primeiro porque ele jamais nasceria na efervescência de uma festa paga romana como a Saturnália ou o natalis invicti solis. No livro de João está dito que “O Verbo se fez carne, e habitou entre nós, cheio de graça e de verdade; e vimos a sua glória, como a glória do unigênito do Pai”. Na frase, habitou é a tradução de tabernaculou, que vem de tabernáculo, do verbo habitar. Portanto, Jesus nasceu no período da festa de Tabernáculos, que é uma manifestação judáica. No calendário dos judeus, a festa ocorre no sétimo mês, o que corresponderia ao final de setembro e início de outubro no calendário atual.

JS – Qual a língua falada por Jesus Cristo?
BIBLlA – Na Galiléia, entre os seus íntimos, o filho de José e Maria falava em aramaico. No entanto, e isso está dito em mim, mesmo sendo suas últimas palavras ditas na cruz nesse idioma, na sua doutrina em público, assim como as discussões com os fariseus e sua fala com Pôncio Pilatos, foram realizadas principalmente em grego. Resumindo seria mais ou menos o seguinte: No tempo de Jesus, o povo da Palestina falava o aramaico em casa, utilizava o hebraico na leitura das escrituras e todas as transações comerciais eram em grego.

JS – Quem escreveu o Apocalipse?
BíBLIA – O livro é de autoria do profeta João. Representa um gênero literário apocalíptico da época, sendo também conhecido como o “livro das Revelações”. João o inicia escrevendo uma série de cartas encaminhada as sete igrejas da Ásia, e prossegue com relatos de visões e profecias a respeito do fim do mundo, do julgamento final sobre os homens e as nações e a volta de Jesus Cristo. Certamente João tinha como convicção de que as suas profecias seriam realizadas ainda em seus dias. Como isso de fato não aconteceu, os interpretes posteriores a ele, preferiram explicas as previsões como acontecimentos que ainda estão por vir. Sendo assim, cada geração se torna parte integrante do fato anunciado e com isso eu me mantenho sempre atualizada, independente do tempo e das gerações.

JS – O quê e quais são os livros apócrifos?
BíBLIA – Esta a denominação que comumente se dá aos 14 livros contidos em algumas das minhas versões, entre os dois Testamentos. Originaram-se do terceiro ao primeiro século antes de Cristo. A maioria dos quais de autor incerto, e foram adicionadas a Septuaginta, tradução grega do Velho Testamento, feitas naquele período. Não foram escritos no hebraico do Velho Testamento e produzidos depois de haver cessado as profecias, oráculos e a revelação direta do Velho Testamento. Por isso foram inicialmente rejeitados pelo Cânon que por sua vez aceitou inclui-los, depois do Concílio de Trento, em 1546. São em número de 14 e são assim chamados por causa da origem grega “apokriphos”, que significa ocultos. São eles: 1º e 2º Esdras, Tobias, Judite, Adições a Ester, Oração de Manasses, Epístola de Jeremias, Livro de Baruque, Eclesiástico, Sabedoria de Salomão, 10 e 20 Macabeus e adições a Daniel, que inclui a Oração de Azarias, o Cântico dos Três Hebreus, e Bel e o Dragão. Nunca foram reconhecidos pelos judeus como parte das Escrituras hebraicas. Nunca foram citadas por Jesus, nem por ninguém mais no Novo Testamento. Não foram reconhecidos pela Igreja Primitiva como de autoridade canônica, nem de inspiração divina.

JS – Quais os critérios adotados para se afirmar um texto é ou não fruto da inspiração Divina?
BíBLIA – As passagens bíblicas começaram a ser escritas esporadicamente desde os tempos anteriores a Moisés. Todavia, ele foi o primeiro codificador das traduções orais e escritas de Israel, no século XIII antes de Cristo. A essas tradições – leis, narrativas, peças litúrgicas – foram sendo acrescidos, aos poucos, outros escritos no decorrer dos séculos sem que os judeus se preocupassem com a organização dos mesmos. Já no século I da era cristã, como os apóstolos começaram a escrever os primeiros livros contando a fase pós-Jesus Cristo, como as cartas de São Paulo e os Evangelhos, apresentados ao povo como a continuação dos livros sagrados dos judeus, estes se reuniram no Sínodo de Jâminia, ao Sul da Palestina, por volta do 100 depois de Cristo, com um objetivo bem definido: estabelecer regras que caracterizariam os livros sagrados – que teriam sido escritos sob a inspiração divina – impondo a eles quatro condições. A primeira é que o mesmo não poderia ter sido escrito fora da terra de Israel. A segunda teria de ser escrito em hebraico, nunca em grego ou aramaico. Uma outra exigência determinou o período. Ou seja, não poderia ter sido escrito depois de Esdras, ou entre os anos 458 e 428 antes de Cristo. Por último, o escrito jamais teria em seu conteúdo algum tipo de contradição com a Torá, Ou lei de Moisés.

JS – Como explicar um papiro?
BíBLIA – É constituído por tiras de medula do papiro (espécie de caniço com caule triangular, da família das ciperáceas, da grossura de mais ou menos um braço e de 2,5 m a 5 m de altura), cortadas em fina_ talas e colocadas em camadas cruzadas, estas tiras formam folhas que são em seguida, fixadas umas após outras e enroladas em torno de uma vara. O rolo assim formado se chama, em grego, biblos (dai a palavra: Bíblia) e pode ter até 10 m de comprimento. Os papiros do Novo Testamento são os mais antigos documentos de base que possuímos: em sua maioria datam do século 111. Um papiro descoberto em 1935 deve mesmo ser datado do começo do segundo século.

JS – E um pergaminho?
BíBLIA – É uma pele, ordinariamente de ovelha, cabra ou bezerro, tratada e cortada em folhetos (a palavra “pergaminho” se originaria da cidade de Pérgamo): estes são postos um em cima do outro para formar não um rolo, mas um volume (em grego: teuchos) de onde vem à palavra Pentateuco para assinalar os primeiros cinco livros do Velho Testamento. Os pergaminhos, trazendo textos do Novo Testamento, datam somente do século IV, no máximo, mas apresentam-nos, geralmente, textos completos do Novo Testamento. O princípio e o fim do texto faltam às vezes, em conseqüência da deterioração, fácil de imaginar, dos folhetos da capa. Todos estes documentos são escritos em grego, mas em um grego que não é mais o grego clássico. (Este grego, comumente falado em todo império, é denominado Koinê: língua comum). Os manuscritos mais antigos do Novo Testamento são escritos em letra maiúsculas ou “unciais”. Atualmente seu número é de 252 (excluem-se os achados de Qumran, que ainda não foram reconstituídos totalmente, não se sabendo assim o seu número exato). As edições críticas os designam por letras maiúsculas. Os manuscritos em minúsculas (conhecemos hoje 2646) datam no máximo do século IV. Entretanto não devem ser negligenciados porque os copistas do século IX, X e XI recopiavam possivelmente manuscritos em maiúsculas muito mais antigos, que não possuímos mais. As edições críticas os assinalam por algarismos árabes.

JS – O quê vem a ser hermenêutica?
BIBLlA – É o estudo dos princípios gerais da interpretação dos meus textos, em cujos métodos se inclui a exegese ou análise crítica. Por extensão, passou-se a chamar hermenêutica à interpretação de escritos importantes em geral. Os principais campos de interesse da hermenêutica são a religião, o direito, a filosofia e a história. No que diz respeito a mim, vale detalhar a Hermenêutica religiosa. O caráter sagrado dos relatos que faço em cada livro sobre o judaísmo – no que se refere ao Antigo Testamento – e o cristianismo, baseia-se na convicção de que essas informações contenham uma conotação divina. Essa minha aceitação como palavra de Deus, no entanto, não ensejou um princípio hermenêutico uniforme. Para alguns, a interpretação bíblica deve ser sempre empreendida literalmente, uma vez que a palavra de Deus é explícita e completa. Outros afirmam que as minhas palavras encerram um significado profundamente espiritual, já que a mensagem de Deus não pode ser captada por uma leitura superficial. Uma terceira posição, enfim, sustenta que certas partes contidas em mim devem ser compreendidas literalmente e outras de maneira simbólica.

JS – Explique melhor essa simbologia?
BIBLlA – Visto dessa forma, interpretar-me exige conhecimentos de pelo menos dos quatro tipos principais de hermenêutica: literal, moral, alegórica e analógica, ou puramente espiritual. A interpretação literal associa-se com a convicção segundo a qual não só a mensagem divina, como também cada uma das palavras que constituem os meus livros é a inspiração divina. Como crítica a forma extrema desse tipo de hermenêutica, podese dizer que ignora as evidentes diversidades de estilos e vocabulário dos diversos autores bíblicos. Santo Tomás de Aquino, Martinho Lutero e Calvino foram’ partidários da hermenêutica literal.

JS – A proibição de comer carne de porco, por exemplo, é ético ou moral?
BíBLlA – Faz parte da interpretação moral buscar estabelecer os princípios exegéticos mediante os quais se pode extrair as liÇões de reconhecido conteúdo ético. Associa-se, com freqüência a essa prática a versão alegórica da hermenêutica. Assim, por exemplo, a Carta de Barnabé, escrita aproximadamente no ano 100 da era cristã, considerava que ao proibir comer a carne de certos animais, na verdade, referia-se principalmente aos vícios simbolicamente representados por eles. Aqui fica a questão: seria o vício da gula, referindo-se aos homens, ou seria o hábito da imundice, referindo-se ao exemplo do porco?

JS – Uma pergunta inevitável. Quem é Deus?
BíBLIA – Numa definição ampla, trata-se de um ser supremo, causa primeira, existente por si, absoluto, infinito, eterno, perfeito, onipotente, onisciente, o bem supremo (Summum bonum). Esses são os atributos de Deus admitidos por todas as religiões e aceitos – ainda que para negar a existência divina – até mesmo pelos ateus. Deus é proposto pela razão e pelo sentimento como explicação do universo, da origem do homem, dos valores e da moral – verdade, bem, justiça, amor. Assim, se Deus existe, e venho dizendo que existe há três mil anos, é por ser diferente e superior a tudo aquilo que se pretende explicar com sua existência. Superior inclusive, à razão humana, para a qual constitui um mistério.

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BíBLIA – Eu diria que é sempre possível se chegar a Deus pela razão ou pela fé. A convicção da existência Dele uma definição e a uma descrição ao mesmo tempo. Qualidades que se atribuem a Deus, como infinitude e onisciência, no entanto, são apenas analogias com conceitos que a razão humana pode admitir: a essência de Deus é misteriosa para o homem. Até mesmo os que afirmam ter contemplado Deus – caso de Moisés e Elias – consideraram a experiência indescritível em termos humanos. E preciso entender que se Deus fosse transparente e compreensível ao entendimento humano, seria apenas uma criatura a mais, algo pertencente ao mundo, e não a razão última de todas as coisas. A idéia genérica de Deus é, pois, um símbolo que indivíduos, grupos e culturas usam de várias formas e com significações distintas, para indicar e exprimir sua visão daquilo que se poderia denominar a última realidade.

JS – Assim como seus livros, a descrição de Deus não poder ter sofrido influência dos povos primitivos?
BIBLlA – É perfeitamente possível. Trata-se de um fenômeno conhecido entre os estudiosos que o chamam de tradição metafisica. Na civilização ocidental, a idéia de Deus está profundamente marcada pela influência que a cultura grega exerceu em sua formação. Desde seus primórdios, a filosofia grega dedicouse a procurar resposta às seguintes perguntas: qual a explicação para a unidade do mundo sensível? O que explica a ordem do universo e o fato de que ele não se transforme em caos? Qual é a realidade permanente que está no fundo da transitoriedade de tudo o que ocorre no tempo? Tais perguntas revelam uma intuição – ou seria inquietação – própria da – cultura grega: os processos de mutação por que passa o mundo material se dão sobre uma unidade básica, estável e atemporal. É nesse ponto que entra DEUS, como resposta de tudo que não tem resposta.

JS – O abstrato ajuda ou atrapalha?
BIBLlA – Deus é o símbolo para a idéia mais alta, o fundamento de tudo o que existe e o princípio lógico que permite entender o que existe. A visão de Deus confunde-se assim com a mais alta forma de intuição intelectual. É ele o primeiro princípio sobre o qual a existência e a explicação do mundo se assentam. A questão da existência de Deus se torna então absolutamente fundamental, porque dela dependem não só a existência e a ordem do cosmos, como também a possibilidade de seu conhecimento. Essa exigência científica acaba sendo à base das argumentações cosmológico, teleológico e ontológico – sobre a existência de Deus e de toda a teologia natural. Mesmo sendo bem mais complexa que a visão religiosa, haverá sempre uma explicação a ser dada.

JS – Por exemplo?
BIBLlA – Primeiro são os Argumentos Cosmológicos. Ao contemplar o universo, a mente humana formula as perguntas que qualquer outro fenômeno lhe sugere. De onde vem? Que força o produziu? Ora, o cosmo não contém em si mesmo a resposta para a pergunta sobre suas origens. A explicação do cosmo se encontra fora dele, numa causa primeira, não causada, Deus. A primeira elaboração filosófica desse argumento se encontra em Platão. Seu ponto de partida é o movimento, que embora possa ser classificado de várias formas, em última análise é redutível a dois tipos: movimento espontâneo e movimento comunicado. O movimento espontâneo deve obrigatoriamente anteceder ao movimento comunicado, pois somente se ele já existir poderá ser depois comunicado. A matéria é inerte e só se move em decorrência de uma força exterior. No homem, somente a alma é fonte de movimento espontâneo. Essa é a razão por que, sem a alma, o corpo é morto. De forma análoga, todos os movimentos no universo que não decorrem da ação direta do homem têm de ser explicados por referência a uma fonte maior de movimento espontâneo: a alma do mundo. Considerando que todos os movimentos do cosmo são ordenados e racionais, conclui-se que a alma do mundo é racional e boa. Resumindo: essa alma é Deus.

JS – Quais seriam os outros argumentos?
BiBLlA – Um deles é o Teleológico. A decifração de um dos mais fascinantes enigmas do universo é tentada pelo argumento teleológico da existência de Deus. Que os homens, capazes de ter e expressar desejos, sejam capazes de agir com uma intenção e consciência teleológicas, isto é, dirigidas para um objetivo, é explicável. Entretanto, como se poderá entender que os animais e mesmo vegetais, sem nenhuma idéia consciente de finalidade, sejam capazes de agir na direção de propósitos que eles mesmos desconhecem? Do ponto de vista da experiência humana, o comportamento intencional só pode ser explicado por referência a uma mente e a uma vontade que o orientem. Portanto, só admitindo que o universo é governado por uma mente se poderá explicar a teleologia que se observa nos níveis inconscientes da realidade. Esse argumento é a base de toda a doutrina vivida e ensinada por são Tomás de Aquino. Esse argumento é Deus.

JS – Que outros livros podem ser chamadas de Bíblia?
BIBLlA – Mais pela tradição que pelos escritos, apenas dois: O livro dos Mórmons e o Alcorão. O primeiro adotado pela Igreja de Jesus Cristo dos Últimos Dias – ou mórmons – alimenta a fé de cerca de quase quatro milhões de seguidores. Eles estão presentes em, países como Estados Unidos, Canadá, na América Latina – onde se inclui o Brasil – na Europa e na Oceania. Os Mórmons proclamam, uma nova revelação, a restauração do sacerdócio e dos rituais da “verdadeira igreja”, além da possibilidade de seus seguidores atingirem o estágio da divindade. Embora a designação da igreja faça referência explícita a Jesus Cristo, a doutrina mórmon difere das crenças das igrejas cristãs tradicionais principalmente por ser politeísta. Para os mórmons, Deus é uma evolução do homem e os homens podem evoluir e se tornarem deuses. Além disso, crêem em Deus Pai, em Jesus Cristo e no Espírito Santo como pessoas distintas. A religião foi fundada em 1830 nos Estados Unidos por Joseph Smith Junior. Segundo seu próprio testemunho, Smith, guiado por uma revelação do anjo Moroni, encontrou e traduziu em 1827 o Book of Mórmon (O Livro de Mórmon), que constitui o principal texto sagrado da seita. Em termos de estilo e temas tratados, os seus escritos se assemelha ao meu Antigo Testamento e reconta a história das tribos de Israel. O outro livro sagrado, o Alcorão, é um relato do profeta Maomé por intermédio do anjo Gabriel, do conteúdo de “uma tábua conservada no céu”, conhecida entre os islâmicos como a “Mãe do Livro”. O Alcorão logo se tornou o livro sagrado do Islã: o Alcorão ou Corão (do árabe “alQuram”, “o recitativo” ou “o discurso”), em sua versão atual, se deve ao terceiro califa (sucessor do profeta), Utman, que, temendo a perda do texto devido à morte, em campanhas militares, de muitos recitadores do Alcorão, mandou recolher as diversas cópias e estabelecer a definitiva. Para evitar novas confusões, ordenou a destruição de todas as demais versões, embora uma ou outra se tenha salvado. As dificuldades para estabelecer o texto foram agravadas pelo desenvolvimento ainda incipiente da escrita árabe e pelas diferentes interpretações que os diversos recitadores davam ao texto.

JS – Qual a composição organizacional do Alcorão?
BíBLIA – Os compiladores não seguiram uma ordem cronológica, considerada por todos como difícil de determinar, nem uma sistematização temática. Mas ordenaram os capítulos conforme instruções específicas do profeta. De modo geral, situaram os de maior extensão antes dos menores. No total, o livro se compõe de 114 capítulos ou suratas, divididos em versículos (aiat), que começam com uma invocação a Alá. Sua extensão, de aproximadamente oitenta mil palavras.é semelhante a do meu Novo Testamento.

JS – Como o Alcorão vê profetas cristãos do quilate de um Moisés ou mesmo de um Jesus Cristo?
BíBLIA – Moisés e Jesus Cristo, para Maomé, revelaram a mensagem de Deus, mas seus povos a desvirtuaram. Deus se teria revelado a Maomé para confirmar, emendar ou substituir as revelações anteriores. O texto do Alcorão tem caráter sagrado, até mesmo na grafia, de modo que deve ser recitado em árabe, e só em árabe, mesmo quando o crente não entenda essa língua. Os muçulmanos se opuseram sempre a traduções, sobretudo para as línguas ocidentais. Até hoje exigem que, se realizadas, sejam acompanhadas do texto em árabe.

JS – Qual seria então o maior ensinamento da “Bíblia” Islâmica?
BíBLlA – A pregação de Maomé se baseia num monoteísmo absoluto. Existe um só Deus, criador, onipotente e misericordioso; um juízo final premiará os bons e castigará os pecadores, na vida extraterrena. A criação reflete o poder, a sabedoria e a autoridade de Deus, mas Deus é totalmente distinto da criação, embora nela esteja intimamente presente: “Mais próximo do homem que sua própria veia jugular”. O homem é como que o representante de Deus na criação, mas, apesar disso, ignorante e louco. É livre – à diferença do resto da criação – para seguir ou não a revelação e os mandamentos divinos; no entanto, também se salienta que Deus tem absoluto controle dos homens, o que se pode quase interpretar como predestinação.

JS – Cristãos, islâmicos, Mórmons. E o Candomblé? Pode ser também chamado de religião?
BIBLlA – O candomblé das diversas “nações” africanas é a religião afro-brasileira que mais fielmente preserva as tradições dos antepassados e a menos permeável às transformações sincréticas, embora cultue secundariamente entidades assimiladas, como os caboclos e os pretos velhos. De origem africana, logo se espalhou pelo mundo, em especial no Brasil em estados como a Bahia e o Rio de Janeiro. A umbanda é francamente sincrética com o cristianismo e o espiritismo kardecista. Os subúrbios do Rio de Janeiro possuem grande quantidade de terreiros ou barracões de umbanda. O culto afro-brasileiro toma o nome de pajelança na Amazônia, babaculê no Pará, tambor-de-mina no Maranhão, xangô em Alagoas, Pernambuco e Paraíba e batuque no Rio Grande do Sul. Paradigma dos cultos de origem africana em todo o país, o ritual do candomblé pode ser considerado, do ponto de vista musical, um oratório dançado. Cada entidade – ou Santos, como orixá, exu ou erê – tem suas cantigas e suas danças específicas. Os rituais ou cultos são bastante diferenciados, mas a essência dos caboclos e a mesma. O candomblé incorpora ainda elementos ameríndios, do catolicismo popular e do espiritismo.