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Entrevista: Benedito Salim Duailibe

Diretor Administrativo da Codomar – Companha Docas do Maranhão
Entrevista concedida ao jornalista Carlos Andrade e publicada no Jornal da Soamar, edição maio de 1993

“Triste do Estado que não tem um porto para escoar as suas riquezas”

Benedito Salim Duailibe, 67 anos, tem sangue libanês nas veias e um amor incomum pela área do porto onde trabalha e pela São Luís que o viu nascer. Como lenda viva da história dos nossos portos, olhou os “poções” do fundeadouro “São Luís”, assistiu ao incêndio do “Maria celeste”, andou de Alvarengas, conheceu o Almirante “Chocolate” e viu de perto a fama do prático “Babaçu”. Nesta entrevista que teve a participação de Raimundo Nonato de Sousa (o Natinho) e Artur Valério Boueres -, “Seu Biné”, como é conhecido na CODOMAR onde exerce o cargo de Diretor- Administrativo-Financeiro, fala de muitas dessas histórias e relembra nomes esquecidos que fizeram o dia-a-dia dos nossos portos, como Booth-Line, Francisco Aguiar, Chames Aboud, Jose Ribamar Couto, Nelson Farias e Éden Saldanha Bessa, o pioneiro dos pioneiros do Itaqui. Católico, Biné assume “pelo sim, pelo não”, a existência do sobrenatural e confirma a contratação de um “professor” para atenuar a ira da Princesa Ina, cuja torre do castelo foi supostamente avariada pelos tubulões quando da construção do porto de Itaqui. Porto esse, que fez parte das promessas de campanha do próprio Jânio Quadros e todos os projetos de avaliação o indicavam como a redenção econômica de toda região sul do Maranhão e mais Brasília, Goiás e parte dos cerrados. Humilde, Biné acredita na privatização, na criação de novos municípios como forma de desenvolvimento e tem uma lição de economia para o Brasil, fruto da sabedoria do seu velho pai: “Meu primeiro salário foi 120 mil reis. Ao recebe-lo, papai me chamou de lado e ensinou: gaste apenas 80, ou quem sabe 90. Nunca tudo. E preciso guardar um pouco, sempre, pois nunca podemos prever o dia de amanhã.

JORNAL DA SOMAR – Vamos começar falando do porto de São Luís…
BINÉ – Na verdade não se tratava de um porto, e sim de fundadores, ou poções, onde os navios ficavam ferro enquanto se processava as operações de carga e descarga. As mercadorias eram transportadas pelas “Alvarengas” e os passageiros em pequenas lanchas pertencentes ao inesquecível “Almirante Chocolate”.

JS – Qual a capacidade de atracação desses poções?
BINÉ – O porto propriamente dito compreendia toda essa áreas entre a Ponta D`Areia e a chamada “meia laranja”, hoje conhecida como Rampa Campos Melo. Dependendo da maré, ou da lua, atracavam navios de até 23 pés. Era um espetáculo bonito de se ver, pois ali se resumia o centro da economia maranhense. Em alguns momentos, era possível até cinco navios ao mesmo tempo.

JS – Nesse tempo, entre os anos 40 e 50 já havia Praticagem?
BINÉ – Claro, e um dos práticos se destacava dos demais, visto ser o preferido dos comandantes dos navios. Era o Ernani Pinto, conhecido como Babaçu, em homenagem ao nosso principal produto de exportação da época.

JS – Quais as principais companhias de navegação da época?
BINÉ – Lloyd Brasileiro e a Companhia Nacional de Navegação Costeira. Esta pertencia ao italiano Henrique Lajes, dono do Estaleiro que construiu os famosos navios ITA, que, inclusive, foi usado como enredo da Escola de Samba Salgueiro, no carnaval do Rio de Janeiro, quando a agremiação faturou o título de campeã do carnaval daquele ano de 1993.

JS – Quais os produtos que chegavam – ou saíam – do Porto de São Luís?
BINÉ – O Maranhão, antes de ser interligado ao resto do país pelas rodovias, recebia quase tudo do mar. Cerveja, enlatados, farinha, miudezas, pneus, derivados de petróleo e trigo a granel. A exportação ficava por conta da amêndoa de babaçu, algodão, tecidos como mescla e lona por exemplo e alguns cereais. Desses, o mais importante era o arroz. O Maranhão já conseguir exportar até 100 mil sacas desse produto por navio, dado o vigor da nossa produção agrícola.

JS – Quais os melhores clientes dos nossos atacadistas?
BINÉ –  Ainda na época de ouro da navegação fluvial maranhense, os rios Pindaré, Grajaú, Mearim e Itapecuru se tornaram as grandes vedetes do comércio de então. Cidades como Pedreiras, Pindaré, Barra do Corda e Grajaú, experimentaram fluxos de desenvolvimentos nunca antes imaginados. No caso das auas últimas, os compradores vinham apenas uma vez por ano e esvaziavam os armazéns dos atacadistas. Era uma verdadeira festa para o comércio.

JS – A partir de quando o Maranhão passou a exportar os produtos derivados do babaçu?
BINÉ – Não sei precisar exatamente o ano, mas lembro que o José Salomão, da Conan, mandou construir um navio, o “São Bento”, cujas características permitiam atracar diretamente no cais de São Luís, ali nas proximidades do Palácio dos Leões. O “São Bento” operava quase exclusivamente com óleo de babaçu, numa época de ouro para esse segmento da nossa indústria. Tínhamos fábricas em São Luís, Bacabal, Pedreiras, Coroatá, Codó e Caxias.

Na verdade andaram acontecendo algumas coisas no inicio das fundações que os técnicos não conseguiam explicar. Houve desabamento de pedaços do cais, tombamento de guindastes da Serveng, mortes de escafandristas etc. Por isso, atendendo a sugestão de alguém da nossa equipe, foi chamado um “professor”, cuja missão principal era tentar explicar o até então inexplicável…

JS – Como os atacadistas abasteciam os demais municípios do Maranhão?
BINÉ – Através da rede fluvial de embarcações. Comprava-se em grandes quantidades e se vendi nas mesmas proporções. Os maiores compradores da Região do Pindaré, e do Mearim, vinham à Praia Grande pelo menos uma vez a cada trinta dias e compravam praticamente todo o estoque do comércio local.

JS – Quais os maiores atacadistas daquele tempo?
BINÉ – Chagas & Penha, Salim Duailibe, Lima Farias, Moreira Sobrinho, Cunha Santos, e outros. Entre os exportadores posso citar Francisco Aguiar, Chames Aboud, Bento Mendes, A O Gaspar e Rachid Abdalla.

JS – Como a chegada das rodovias alterou essa normalidade?
BINÉ – Com a inauguração da BR-135 houve um processo de esvaziamento da Praia Grande, pois criou-se o sistema de “porta a porta”. Com isso os comerciantes começaram a capitalizar menos nos estoques, visto as entregas se processarem de forma mais rápida. A era das rodovias serviu também para a ampliação do fluxo de exportações de outros municípios, facilitando a chegada das safras até a capital, São Luís. As mercadorias eram então trocadas por bens de consumo antes exclusivos dos grandes centros.

JS – A Fábrica Rio Anil exportava sua produção para onde?
BINÉ – Todo mundo sabe que o Maranhão já foi grande exportador de tecido. Tínhamos grandes fábricas de tecelagem e fiação e estas absorviam toda produção local de algodão. A Rio Anil produzia o “Elite”, considerado por muito tempo como o melhor morim do Brasil. Era um produto destinado a população de baixa renda e o público consumidor se resumia aos estados do Norte, principalmente da Região Amazônica.

JS – E quanto a torta de babaçu?
BINÉ – Esse produto praticamente inaugurou nossas exportações internacional. Toda nossa produção era destinada ao mercado interno e chegava a países como Alemanha e Holanda e chagavam através dos portos de Bremem e Roterdã, numa frequência de uma a duas vezes por mês.

JS – Quantas estivas operavam no setor portuário de São Luís?
BINÉ – Apenas duas. A Marítima e a Terrestre. A primeira era constituída de trabalhadores autônomos, enquanto a segunda era de responsabilidade do Estado, assim como os armazéns de estocagem.

JS – O porto de São Luís tinha estrutura para esse tipo de embarque?
BINÉ – Aqui cabe uma explicação. Essas exportações foram iniciadas pelo Porto de Itaqui, bem antes deste ser inaugurado. Isso foi possível graças a um acordo firmado entre o Comandante Washington Viégas, então diretor do Departamento Nacional de Portos e Vias Navegáveis – DNPVN, o Ministro dos Transportes, Mário Andreazza, e os Agentes de Navegação. Criou-se então uma espécie de Condomínio e dessa forma garantiu-se a legalidade das operações.

JS – Como a história do porto do Itaqui deve ser contada?
BINÉ – A partir de 1970, quando o cais em frente ao armazém foi entregue, se trabalhava na pavimentação de pátios e e se organizava a constituição da CODOMAR. Naquela época, o porto fazia parte de todos os projetos e era visto como a solução definitiva para incrementar a economia do Maranhão e do Norte do Brasil. Triste do Estado que não tem um porto para escoar suas riquezas. No meu entender, em futuro próximo, o Itaqui será o principal porto do Nordeste, Norte de Goiás, do Cerrado e do Sul do Pará. Naquele tempo, nossa capacidade agrícola – assim como a industrial – era pequena demais e não viabilizava nenhuma garantia para a implantação de um Terminal como o Itaqui. Hoje não. O Maranhão se transformou nessa potência econômica graças ao pioneirismo dos seus portos. Primeiro o de São Luís e depois o Itaqui. A partir desses, vieram o da Alumar e o da Companhia Vale do Rio Doce, inaugurando assim uma nova fase de progresso para o Maranhão.

JS – Quem, nesse item de pioneirismo, não pode deixa de ser citado?
BINÉ – O mais importante de todos foi um comerciante chamado Eden Saldanha Bessa. Antes mesmo das maquinas, ele já tinha no Itaqui uma choupana onde manuseava babaçu, extraindo o óleo, a torta e até o alcatrão. Essa produção, o Sr. Bessa exportava para os Estados Unidos. Outros nomes seriam do ex-governador José Sarney, do ex-ministro Mário Andreazza e do próprio Presidente da República, senhor Jânio Quadros. Este, não só assumiu a bandeira do nosso porto, transformando-o em compromisso de campanha, como, depois de eleito, nomeou a Associação Comercial do Maranhão como fiscal das obras.

JS Além do desafio tecnológico, Itaqui foi, também, um desafio sobrenatural. Explique isso.
BINÉ – Na verdade andaram acontecendo algumas coisas no inicio das fundações que os técnicos não conseguiam explicar. Houve desabamento de pedaços do cais, tombamento de guindastes da Serveng, mortes de escafandristas etc. Por isso, atendendo a sugestão de alguém da nossa equipe, foi chamado um “professor”, cuja missão principal era tentar explicar o até então inexplicável…

JS – Qual foi o diagnostico?
BINÉ – Surpreendente. Segundo o “mestre”, toda área do porto estava sendo erguida sobre o reinado da Princesa Ina e isso a estava incomodando, visto ninguém ter soli citado permissão para tal. Pelo sim, pelo não, todas as sugestões apresentadas pelo “professor” foram prontamente atendidas e, já evidentemente autorizadas pela “dona do lugar”, as obras continuaram normalmente. A imagem de Iemanjá, colocada na frente do Armazém Sul, faz parte dessas exigências e ainda hoje é cultuada por estivadores e marítimos que trabalham em nosso porto.

JS – A “dívida” com a Princesa Ina era para ser paga de uma só vez?
BINÉ – Segundo o “professor”, a ira da Princesa se devia ao fato das obras terem atingido uma das torres do seu castelo. Por isso, era preciso “pagar” certas oferendas e, o mais importante, repetir a “cerimônia” a cada sete anos.

JS – A segunda “prestação” vence quando?
BINÉ – Não sei exatamente, mas foi bom você nos lembrar…

JS – Além de Salim Duailibe, que outros Agentes de Navegação seriam considerados pioneiros na história do Itaqui e dos portos do Maranhão?
BINÉ – Harms e Cia, Pedreiras Transportes do Maranhão, Nunes dos Santos e Bento Domingues da Silva. José Ribamar Couto e Nelson Farias não eram Agentes, Operavam como entidades estivadoras no embarque e desembarque das mercadorias através de alvarengas, de, e para os navios.

JS – Desde de 1974 o porto do Itaqui tem os mesmos administradores (Washington Viégas, Bento Moreira Lima e Benedito Salim Duailibe). Com explicar tanta longevidade?
BINÉ – O sucesso do nosso porto por si só já responde sua pergunta. Além disso, a liberdade do nosso Diretor-Presidente, Washington Viegas, em escolher seus principais assessores, sem interferências externas, permitiu, graças a sua sensibilidade, cercar-se de gente da sua inteira confiança e de reconhecida competência. A CODOMAR sempre foi uma empresa enxuta. Tem servido de exemplo para outros Estados e desde a sua implantação, tem conseguido administrar o porto do Itaqui de forma eficiente e bem distante das mazelas e entraves das suas similares no resto do país.

JS – O que mais poderíamos acrescentar antes de encerrar essa entrevista?
BINÉ – Gostaria de deixar claro que mesmo com a inauguração do Itaqui, o porto de São Luís jamais deveria ter sido desativado. No entanto, algumas obras como a Barragem do Bacanga (o ideal, segundo os técnicos, seria uma ponte), o Projeto PROMORAR (onde se gastou dinheiro suficiente para se construir 10 mil casas populares), e mais recentemente, o Aterro do Bacanga, condenaram de vez os canais de navegação, matando o porto, a fauna, a flora e todos os ecossistemas existentes em frente a São Luís antiga onde se encontravam, fraternalmente, os rios Anil e Bacanga.

  • O “professor” citado nesta entrevista era o Pai de Santo Jorge de Fé em Deus, o mais famoso babalaorixá de São Luís, que teve ajuda do também Pai de Santo Ribamar, do Coroadinho.