A
divisa fixada em 1494 pelo Tratado
de Tordesilhas, entre Espanha e Portugal para dividir as terras ainda
desconhecidas pelos europeus, cortava a linha do Equador em um ponto
qualquer afastado do Amazonas.
Os métodos rudimentares para determinar as distâncias em
alto mar não possibilitavam uma localização precisa
e, na dúvida, devido às sanções que ameaçavam
os que não teriam respeitado este "testamento de Adão"
- como o chamava ironicamente Francisco I da França - era preferível
manter-se distante da zona incerta.
Os sucessores de Colombo, assim como os de Cabral,
não se distanciavam das rotas conhecidas, e todo o litoral entre
o Orenoco e o Nordeste brasileiro tornava-se um "no man's land",
que somente alguns raros exploradores clandestinos ousavam percorrer.
Para incentivar o povoamento do Brasil, o rei João III, de Portugal,
dividiu-o em capitanias hereditárias, em 1535. A Capitania do
Maranhão, situada mais ao Norte, ele a deu ao tesoureiro - e
célebre historiador - João de Barros, que levou muito
a sério a sua missão colonizadora. Ao longo de três
décadas, ele enviou não menos de quatro frotas com mais
de 3.000 colonos, que fundaram a cidade de Nazaré (muito provavelmente
na localização atual de São Luís) e três
outros vilarejos, sob as ordens de seus próprios filhos, que
ali ficaram durante cinco anos (1555-60). A falta de ajuda oficial e
o precário conhecimento das rotas marítimas (por causa
do Gulf Stream era mais fácil ir de São Luís à
Europa do que de São Luís para o resto do Brasil!) contribuíram,
pouco a pouco, para o desaparecimento destas colônias. Depois
de 1570, enquanto o Brasil já tinha cidades tão ricas
quanto Salvador e Olinda, toda a costa do Norte era uma região
abandonada à própria sorte.
Este descaso do poder despertou a cobiça dos ambiciosos: traficantes
portugueses e espanhóis, corsários holandeses, ingleses
e, principalmente, franceses, que vinham todo ano para comerciar com
os índios,
estabelecendo assim as bases de um contato vantajoso.
Em 1612, uma expedição francesa comandada por Daniel de
la Touche, Senhor de la Ravardière, partia de Cancale (Saint-Malo)
na Bretanha, com o apoio da regente Maria de Médicis, para se
apossar do lugar ("não pela força mas por amor",
segundo as palavras do missionário capuchinho Claude d'Abbeville)
e fundar aqui a França Equinocial.
No dia 8 de setembro, foi concluído o Forte e Vila de São
Luís, assim nomeado em homenagem a Luís XIII (alguns anos
mais tarde, no lado contrário ao Atlântico, na embocadura
do Senegal, uma outra cidade seria batizada com o nome de São
Luís, mas em homenagem a Luís XIV). O fato teve uma certa
repercussão e provocou uma crise diplomática, resultando,
finalmente, na reconquista do Maranhão pelos portugueses de Pernambuco,
em 1615.
Valores
Patrimoniais
Esta história fascinante (e ainda pouco
conhecida), resultado de um feliz equilíbrio das circunstâncias
históricas e geográficas, nos deixou um conjunto rico
de traços culturais muito originais: um legado arquitetônico,
literário e humano, contendo uma significação excepcional:
um patrimônio monumental único em seu gênero. Na
realidade, há traços semelhantes que dão idéia
de um certo "ar familiar" em outras cidades do mundo que conheceram
simbioses de cultura e de influências locais e coloniais, sobretudo
de origem portuguesa. São exemplos São Luís do
Senegal e a Ilha de Gorée, o bairro brasileiro em Lagos na Nigéria,
algumas cidades dos Açores (como Angra) e do arquipélago
de Cabo Verde e mesmo Luanda, em Angola. Até a longínqua
Cochin, na Índia do Sul, ou as ilhas de Lamu e Mombaza no Quênia,
na costa do oceano Índico, podem revelar aspectos que, bruscamente,
nos parecem familiares. Mas tudo isso são partes de cidades,
não uma totalidade urbana.
Quase paralizada no tempo durante a primeira metade do século
XX, São Luís teve( por causa do assoreamento do porto
e sua decadência) a sorte de ter conservados intactos esses valores
acumulados ao longo de três séculos de história.
Seu atual Centro Histórico conserva, como em nenhum outro lugar
do mundo, a maior extensão de arquitetura civil de direta origem
européia, adaptada a um meio ecológico único, ao
clima e às necessidades específicas da zona equatorial.
Só Quito, no Equador, pode lhe ser comparada, mas esta fica isolada
no alto dos Andes, enquanto São Luís - terra de poetas
e encruzilhada de culturas - está defronte do mar, no nível
da água, abraçada por essse oceano que forjou sua personalidade.
A
Atenas Brasileira
A independência dos Estados Unidos da América do Norte
e suas conseqüências, em plena Revolução Industrial,
obrigaram a indústria têxtil britânica a procurar
novas fontes de fornecimento para as suas fábricas. As terras
favoráveis ao cultivo do algodão do Maranhão tornam-se
um alvo cobiçado pela qualidade de suas plantações
e pelo baixo custo de produção. Graças aos cônsules
ingleses em São Luís e à criação
de companhias de navegação a vapor, como a "Southampton
& Maranham Company" e a "Maranham Shipping Comp.",
o algodão da Geórgia ou do Alabama foi rapidamente substituído
com vantagem pelo de Caxias e pelo da Baixada Maranhense, embarcado
em rolos diretamente para Londres ou para o Havre.
Grandes fortunas aparecem, enquanto que estabelecimentos
comerciais portugueses da Praia Grande se enchem de produtos da última
moda (tecidos, móveis, cerâmica, sanitária, conservas
etc.) e surgem vocações locais de empresários,
como a de Mr. H.G. Fontes, que transformou seu nome em "Fonteyn",
sendo ancestral da grande bailarina Margot Fonteyn! A economia do Maranhão
se internacionaliza. São Luís torna-se a quarta cidade
do Brasil após Rio, Salvador e Recife, em tamanho de população.
Por algum tempo, foi tentada a se opor à independência
do Brasil (1822), temendo perder suas vantagens.
São Luís foi também a primeira cidade do País
a receber uma companhia italiana de ópera e uma das primeiras
a ter ruas bem calçadas e iluminadas. Os navios traziam toda
semana as últimas novidades da literatura francesa, e as famílias
ricas mandavam seus filhos estudar na Europa.
Esta Idade de Ouro da economia do Maranhão teve um reflexo imediato
na vida cultural da Província e no embelezamento da Capital.
São Luís passa a ser conhecida como a "Atenas Brasileira"
por causa do grande número de escritores nativos ou que aqui
viveram, exercendo seu papel na criação dos movimentos
literários renovadores e da sua forte tradição
de ensino das Letras Clássicas. O Maranhão torna-se o
lugar do Brasil onde se fala melhor a Língua Portuguesa e
sempre está lançando autores renomados.
A arquitetura acompanhou estes progressos. Os primeiros palácios
aparecem a partir da metade do século XVIII e, no começo
do século XIX, surgem os sobrados e as "portas e janelas"
que adaptam o estilo neoclássico às condições
do clima da região equatorial. Aproximadamente em 1830, a inovação
mais interessante foi a moda de revestir as fachadas com quadrados de
cerâmica, isto é, com azulejos, até utilizá-los
somente no interior das casas. Em poucos anos a cidade se cobriu com
este manto de reflexos coloridos, que encantou os visitantes estrangeiros.
São Luís tornou-se "la petite ville aux palais de
porcelaine", como a chamava em 1847 um viajante francês.
O
sucesso desse sistema foi imediato e os proprietários portugueses,
por sua vez, passaram a usá-lo nas suas casas do Porto e de Lisboa.
Pela primeira vez, uma invenção artística colonial
influenciava a antiga metrópole...
Criação de uma Cidade Equatorial
Uma
situação confusa tornava-se enfim normalizada. O governo
da Bahia estabeleceu regras bem claras. A cidade de São Luís
conservou seu nome francês - caso excepcional - enquanto que a
fortaleza tomava o nome de São Filipe. Pertencia, então,
Portugal ao rei Filipe III da Espanha. O engenheiro militar Francisco
Frias de Mesquita demarcou no território o traçado de
uma autêntica cidade com quadriculado exato "à espanhola",
apesar do relevo difícil. Em 1621, era criado o Estado do Maranhão,
independente do resto do Brasil. O objetivo não expresso era
facilitar uma passagem entre o litoral e a expansão castelhana
no Peru - que acreditavam próximo - através da Amazônia:
uma entrada direta para o Atlântico.
A Ilha do Maranhão (latitude 2º 31' S.) foi, portanto, o
lugar por onde a civilização urbana penetrou, estabeleceu-se
e criou raízes: a verdadeira "porta de entrada" dos
5.000 km aproximadamente da costa atlântica da América
do Sul de um lado a outro do Equador, entre as longitudes 50N e 50S.
A nova cidade de São Luís surgiu, assim, como a primeira
fundação européia na tórrida zona equatorial,
na entrada da floresta pré-amazônica: um meio longínquo
e hostil. Surgiram problemas totalmente novos, que eram um verdadeiro
desafio à capacidade do homem branco para se adaptar a climas
e ambientes desconhecidos. Urgia criar uma "cidade equatorial"
de um novo tipo, capacitada a prover suas necessidades e a definir uma
função urbana que garantisse sua viabilidade, sua continuidade
e seu crescimento. Enfim vencer onde João de Barros e La Ravardière
tinham fracassado.
A partir de 1620, casais de colonos chegavam dos
Açores e tentava-se aclimatar culturas de exportação
(açúcar e algodão). Uma campanha de imprensa foi
lançada para atrair investimentos e imigrantes, com a publicação
do livro RELAÇÃO SUMÁRIA DAS COISAS DO MARANHÃO,
Dirigida aos Pobres deste Reino (Lisboa, 1624), escrito pelo capitão
Simão Estácio
da Silveira, chegado cinco anos antes dos Açores.
A cidade se desenvolvia. Voltava a ser um objetivo estratégico
para as potências européias. Os holandeses de Maurício
de Nassau, já solidamente instalados em Recife, conquistaram
São Luís em 1641, mas logo foram expulsos em 1644.
São Luís é, desse modo, a única capital
brasileira que foi francesa, holandesa e portuguesa, conservando vestígios
de todos esses povos, aos quais é preciso acrescentar o substrato
das populações nativas - os Tupinambás e suas variantes
mestiças, como os mamelucos e os caboclos. A partir do século
XVII, chegavam massas de escravos africanos, vindos
principalmente das costas da Mina e de Angola.
Depois do Rio de Janeiro e de Salvador na Bahia, São Luís
é o terceiro centro mais denso de povoamento de origem negra
no Brasil. A "Cafua das Mercês" (hoje Museu do Negro),
lugar em que os escravos eram colocados após seu desembarque
e a notável "Casa de Mina", onde eles apresentavam
seus cultos e práticas ancestrais (muito bem estudadas por Manuel
Nunes Pereira) são testemunhas desta contribuição
importante.
Do mesmo modo, as manifestações folclóricas, verdadeiras
instituições, como o "Tambor de Mina", o "Tambor
de Crioula", as Festas do Divino, o "Bumba-Meu-Boi, além
das edificações arquitetônicas. como as igrejas
de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos e São José
do Desterro - a mais antiga da cidade - , construídas por antigos
escravos, são indícios da vitalidade e da força
sincretista dessas tradições sempre vivas.
Foram, sem dúvida, esta capacidade de adaptação,
bem visível nas ruas, o caráter da população,
as danças, a cozinha muito original, o Carnaval, as rezas e as
"mandingas" (superstições), que permitiram a
sobrevivência de toda
uma comunidade em um meio tão adverso.
Desenvolvimento da Capital Marítima
A função de São Luís
sempre foi mais política do que econômica. Sede do governo
do Estado - "Estado do Maranhão" desde 1621 até
o fim do século XVIII e "Província do Maranhão"
sob o Império (1822-1889) - a cidade de São Luís,
que possui o melhor porto de águas profundas de toda a costa
Norte até a foz do Amazonas, garantiu pouco a pouco o papel de
núcleo centralizador e diligente, tornando-se o centro de um
rico "hinterland".
O traçado ortogonal, quase hipodâmico,
imposto por Francisco de Frias de Mesquita (que teria conhecido as teorias
urbanas da Antiguidade) criou um padrão ao mesmo tempo rígido
e flexível, suficientemente adaptável para absorver o
crescimento da cidade durante mais de 350 anos, até a construção,
em 1970, da ponte José Sarney, que permitiu a expansão
de novas zonas residenciais e terciárias (São Francisco),
em direção às praias.
A
largura constante das ruas, a localização das praças
e dos "largos", a importância dos cantos de rua outorgaram
a São Luís o caráter de urbanidade de uma verdadeira
capital.
Aquela imagem utópica traçada em 1615 estabeleceu um modelo
de instalação urbana em terras equatoriais, ao qual a
História se encarregou de dar um conteúdo. Enquanto capital,
sede do poder, ela adquiriu uma atmosfera ímpar. Vivendo, de
certo modo, à margem do resto do Estado, São Luís
fica em contato estreito com a Europa (Lisboa é mais perto do
que o Rio de Janeiro) graças à facilidade de navegação.
Foi o comércio - principalmente desde a época do Marquês
de Pombal, como demonstrou o Prof. Jerônimo Viveiros - que formou
esta fisionomia típica de grande cidade marítima cosmopolita,
mais estreitamente ligada às atividades do oceano do que às
da terra.
Por volta do fim do século XVII, surge o primeiro desenvolvimento,
promovido pelo governo real. Face ao dinamismo dos colonos, aprisionados
entre o monopolismo do Estado e constantes conflitos com índios
e missionários, a Coroa toma decisão de grandes iniciativas.
Uma diocese do Maranhão é criada (1677), assim como uma
academia politécnica (a Aula de Fortificação, 1698)
e a cidade cresce. Na "acrópole" aterrada do antigo
forte francês, ampliada em fortaleza abalaustrada em plano triangular
(1630), são edificados o Palácio (bastante modernizado
em 1762 pelo governador Melo e Póvoas, sobrinho do Marquês
de Pombal, que o ornamentou adotando o estilo neoclássico no
"Palácio dos Leões") e a sede do governo municipal,
cuja estrutura original de 1685 continua visível nos adornos
do Palácio de La Ravardière, o "Hotel de Ville".
Em frente, a catedral, construída em 1718 com planejamento do
padre-artista luxemburguês João Filipe Bettendorf (1690),
é uma magnífica edificação no estilo clássico
jesuítico, com uma única nave e sacrário ao fundo,
muito modificado em seguida, onde sempre brilha a obra-prima de talha
dourada: o painel do altar-mor concebido pelo escultor Manuel Manso
em 1693, o único em "estilo nacional" (1675-1720) que
subsiste intacto no Brasil.
Desde a expulsão dos jesuítas,
em 1760, passou a ser a Catedral Metropolitana
O primeiro bispo, vindo em 1679, trazia consigo
objetos valiosos ofertados pelo próprio Rei, dos quais resta
um único conjunto de vasos de prata maciça datados de
1683. O maior, para os santos óleos, pesa mais de 13 quilos,
somente comparável aos das catedrais de Lisboa e do Porto. Trouxe
ainda uma série de quadros da via-sacra de grande dimensão
(1,40 m x 84 cm), com cenas da Paixão de Cristo para as cerimônias
da Semana Santa e de Corpus Christi, pintadas sobre cobre por volta
de 1700 pelo pintor do rei, Bento Coelho da Silveira (1648-1708). Trata-se
de uma réplica da série dos "Passos da Graça"
(as estações da Paixão) da célebre confraria
da Igreja Nossa Senhora da Graça, em Lisboa, presidida pelo próprio
Rei.
A Coroa fazia, pois, um esforço para manter São Luís
em contato direto com o centro do Império, criando uma imagem
de capital rica com obras de arte, que constituem um acervo artístico
da mais alta qualidade,
único no Brasil, tanto pela data precoce quanto pelo seu caráter
oficial.
Este interesse foi perseguido pelo Marquês
de Pombal (1755-77), primeiro-ministro esclarecido, com sua política
mercantilista, que favorecia a produção industrializada
de algodão e arroz. A mais antiga casa comercial, datada de 1756,
no Largo do Carmo, pertencia a seu amigo Laurent Belfort, um capitalista
irlandês que introduziu maquinário agrícola nos
arrozais, para a exportação. A cidade beneficiada por
sistemas de canalização e de esgotos, por belas fontes
e por ruas calçadas, tomava um ar moderno e colorido: uma nova
Lisboa no Equador!
Em 1780, quando a Praia Grande tornava-se o bairro portuário
por excelência, o governo português ordenou a criação
de uma "praça permanente" em frente ao mar, à
maneira das praças régias das Lumières, com o nome
de Praça do Comércio. Pode-se hoje ver ainda no prédio
que a domina uma enorme pintura mural (2,0x0,80m), recentemente redescoberta
e restaurada, que representa a famosa Praça do Comércio
pombalina de Lisboa, de 1756, que, do outro lado do mar, fecha simbolicamente
sua perspectiva - como se São Luís fosse o espelho colonial
da capital metropolitana.português ordenou a criação
de uma "praça permanente" em frente ao mar, à
maneira das praças régias das Lumières, com o nome
de Praça do Comércio. Pode-se hoje ver ainda no prédio
que a domina uma enorme pintura mural (2,0x0,80m), recentemente redescoberta
e restaurada, que representa a famosa Praça do Comércio
pombalina de Lisboa, de 1756, que, do outro lado do mar, fecha simbolicamente
sua perspectiva - como se São Luís fosse o espelho colonial
da capital metropolita.
Para
consolidar ainda mais a fama de cidade colonial e suas belezas arquitetênicas,
a UNESCO ratitificou o título de Cidade Petrimônio Histórico
da Humanidade a capital maranhense. Única das capitais que não
nascei lusitana.
PARABÉNS
SÃO LUÍS, pelos seus 406 anos
de muitas histórias e tradições. Seja na arte,
na música, no canto, no teatro e na culinária, sem falar
na estupenda maravilha natural do seu litoral. Apenas, um dos mais lindos
do mundo. A festa de agora é um paliativo de tudo que está
sendo anunciado e preparado pelo Governo e também pela Prefeitura
para as comemorações dos 400 anos em 2012.





















