
154º
ANIVERSÁRIO DA BATALHA NAVAL DO RIACHUELO
Por
ELSON DE AZEVEDO BURITY*
Capitão de Mar e Guerra (Refº-T)
“Homenagear, cultuar e exaltar fatos relativos e pessoas memoráveis
da história de um país é
dever de todo e qualquer cidadão que venera sua pátria.”
JOAMAR
ARAGÃO DUTRA - Capitão de Mar e Guerra (Refº)
Durante o período imperial, a política externa brasileira
priorizava a livre navegação externa nos rios Paraná,
Paraguai e Uruguai, em razão da precária ligação
terrestre com a província de Mato Grosso.
O ditador paraguaio Francisco Solano López na tentativa de
expandir seu território, após negativas de concessão
do governo brasileiro e argentino, invadiu a fronteira argentina ocupando
a cidade de Corrientes e a seguir adentrou em solo brasileiro, tomando
a cidade de São Borja. Em decorrência, no dia 1º
de maio de 1865 era assinado o Tratado da Tríplice Aliança
contra o governo do Paraguai, que tinha por finalidade obter a solução
dos litígios fronteiriços entre Brasil, Argentina e
Paraguai, a livre navegação dos rios da região
e o fim da ditadura de Solano López, respeitando-se a integridade
do território, a soberania e as instituições
paraguaias.
O então Comandante-em-Chefe da Força Naval do Brasil
no Prata, Almirante Joaquim Marques Lisboa, Visconde de Tamandaré
e mais tarde nomeado Marquês de Tamandaré, a bordo da
Corveta “Niterói” nomeou como Comandante da Força
Naval o seu próprio Chefe de Estado-Maior, o Chefe de Divisão
Francisco Manoel Barroso da Silva, para que subisse o rio Paraná
e assumisse o comando. O Almirante Barroso embarcado no navio Capitânea,
Fragata “Amazonas”, comandava a Força Naval brasileira
que era constituída pelas Corvetas Beberibe, Parnaíba,
Jequitinhonha, Belmonte e as Canhoneiras Ipiranga, Iguatemi, Mearim
e Araguari. Já a Força Naval paraguaia, comandada pelo
Capitão de Fragata Pedro Inácio Mezza, tinha os navios
Salto Oriental, Marquês de Olinda, Pirabebe, Taquari, Paraguari,
Iporá, Jejuí e Igurei, que rebocavam seis chatas artilhadas.
Na manhã de 11 de junho de 1865 as duas forças navais
se enfrentaram no rio Paraná, na Foz do Riachuelo, que ao final
registrou as seguintes baixas do lado brasileiro: 104 mortos, 123
feridos e 20 desaparecidos. Do lado paraguaio, somente naquela batalha
foram afundados os navios Salto, Jejuí, Paraguari e Marquês
de Olinda. Ao término dos intensos combates, o Taquari, Iporá,
Pirabebe e Igurei fugiram rio acima com o comandante Mezza, da Força
Naval paraguaia ferido mortalmente, garantindo a vitória do
Brasi.
Em todas as guerras há heróis que dão suas vidas
em combate e nessa não podemos esquecer de louvar o heroísmo
do Guarda-Marinha Greenhalg, Marinheiro Marcílio Dias, tenente
do 9º Batalhão de Infantaria Feliciano J. de Andrade Maia
e tantos outros anônimos que tombaram em combate defendendo
o Brasil.
Nesse momento de júbilo e glória aos nossos eternos
heróis de Riachuelo, que nunca esqueçamos os ditames
eternizados pelo Almirante Barroso:
“O Brasil espera que cada um cumpra o seu dever!”
“Sustentar o fogo que a vitória é nossa!”
*************
O
NAUFRÁGIO DO BARCO A MOTOR “PRINCESA AMANDA”
E OS DESDOBRAMENTOS NO PODER JUDICIÁRIO
“Você
pode nunca saber quais resultados virão de suas ações,
mas se você não tomar
uma atitude, nenhum resultado virá.”
Mahatma Gandhi
Por
ELSON DE AZEVEDO BURITY*
Capitão de Mar e Guerra (Refº-T)
SUMÁRIO
• Introdução
• Histórico do Acidente
• Providências tomadas pela MB
• Os Desdobramentos no poder Judiciário
• Conclusão
INTRODUÇÃO
Desde
a ativação do Tribunal Marítimo (TM) em 05 de
julho de 1934 e a promulgação da lei 2.180/1954, passamos
a contribuir para a Segurança da Navegação, através
do julgamento de uma infinidade de processos referentes aos chamados
Acidentes e Fatos da Navegação. A Marinha do Brasil,
através das Capitanias dos Portos, Delegacias e Agências,
mantém-se sempre presente nos mais distantes rincões
do Brasil, levando sua experiência, tecnologia, meios materiais
e pessoal, que diuturnamente mantém um laço forte com
a comunidade marítima e principalmente com as populações
locais. Cursos, palestras, apoio às diversas solicitações
da sociedade civil, populações ribeirinhas, praianas
e o tráfego aquaviário sempre foi o nosso forte.
Mas, mesmo com todo o esforço despendido, os acidentes acontecem
e somos chamados para as providências decorrentes, como foi
o caso do naufrágio do Barco a Motor (B/M) “Princesa
Amanda”, ocorrido nas águas escuras do Rio Negro.
HISTÓRICO
DO ACIDENTE
A madrugada de 26 de novembro de 2000 foi surpreendida com um naufrágio
na praia de Maria Antônia, município de Iranduba, no
Estado do Amazonas. Era o B/M (Barco a Motor) “Princesa Amanda”
que suspendendo do flutuante “Mirante” por volta das 23:15h
da noite do dia 25 de novembro, veio a naufragar aproximadamente às
02:00h da madrugada seguinte nas águas do rio Solimões.
Naquela ocasião a embarcação transportava uma
carga de aproximadamente 42 toneladas e 82 passageiros, quando 19
faleceram afogados, 07 desapareceram, 52 foram resgatados pela embarcação
“Vitória da Conquista” e outros 04 safaram-se por
outros meios.
A análise da documentação do B/M “Princesa
Amanda” indicava uma capacidade máxima de carga de 40
ton. armazenada nos porões e um transporte máximo de
70 passageiros e mais 03 tripulantes. Vários fatores foram
constatados e que contribuíram para o sinistro, como:
* Não era previsto o transporte de carga no convés;
* A dotação de material de salvatagem (coletes e balsas
salva vidas) era incompatível com o número de passageiros
e tripulantes;
* Inexistiam os documentos emitidos pela Capitania dos Portos, que
comprovassem as vistorias para emissão do Certificado de Segurança
da Navegação (CSN) e vistorias de arqueação;
e
* A embarcação suspendeu sem realizar o despacho na
Capitania e constava na chamada “Lista Negra” por ter
débitos de multas e estando, portanto, impedida de navegar.
Ademais, os planos da embarcação apresentavam uma série
de divergências, quando confrontados com a mesma, o que demandaria
investigações mais profundas e abrangentes.
PROVIDÊNCIAS
TOMADAS PELA MB
A
primeira providência adotada pela Capitania dos Portos foi a
instauração do necessário Inquérito de
Acidentes e Fatos da Navegação (IAFN), que concluído
e enviado ao Tribunal Marítimo (TM) para julgamento, o processo
decorrente obteve o número 19.307/2001, sendo sorteado o Juiz
Marcelo David Gonçalves como Relator.
Após a tramitação processual, o relatório
apresentado pelo Juiz Relator registrou que:
a) A embarcação sinistrada navegava com excesso de passageiros;
b) A carga transportada em excesso no convés não encontrava-se
devidamente peada;
c) O porão de carga sem estanqueidade, permitiu que a água
atingisse os compartimentos abaixo da linha d’água;
d) A tripulação da embarcação era incompleta;
e
e) O “Princesa Amanda” constava na “Lista Negra”
da Capitania, o que o impedia de navegar, e tal fato não foi
constatado pelo inspetor naval que a liberou.
Na
sessão plenária de 27 de março de 2008 os Juízes
do Tribunal Marítimo, por unanimidade, acordaram:
Condenar o fretador e Comandante da embarcação, sr.
Clemilson Cavalcante de Souza, à pena de suspensão para
exercício da profissão de Marítimo por 03 (três)
meses; o marinheiro de máquinas, sr. Francisco Jones Cavalcante
de Souza, à pena de suspensão do exercício profissional
por 01(um) mês; e o proprietário da embarcação,
sr. Valmir da Silva Moraes, à multa de R$ 10.000,00 (dez mil
reais) e pagamento das custas.
Durante
a instauração do IAFN, foram detectados indícios
de que a documentação da embarcação apresentava
algumas irregularidades, referentes ao seu comprimento e boca. E para
melhor investigar aquelas suspeitas, em 26 de dezembro de 2000,o então
Comando Naval da Amazônia Ocidental (CNAO), hoje Comando do
9º Distrito Naval, determinou a instauração de
um segundo IPM para apurar as responsabilidades quanto ao erro de
cálculo da arqueação da embarcação
B/M “Princesa Amanda” e a consequente extensão
do fato. Neste particular, fui designado seu Encarregado, mesmo naquela
época exercendo a titularidade da Capitania dos Portos do Maranhão.
Ao acercar-me, inicialmente, do histórico do acidente, pude
constatar que na verdade estava diante de uma repetição
do naufrágio do famoso “Bateau Mouche IV”, acorrido
no Rio de Janeiro em 31 de dezembro de 1988, quando faleceram 55 (cinquenta
e cinco) pessoas.
Na
foto acima a fachada principal do Tribunal Marítimo e
ma foto ao lado o atual Plenário do Tribunal
As
apurações demandaram a requisição de dois
Engenheiros Navais que periciaram toda a documentação
técnica e a embarcação, emitindo seus relatórios
e havendo necessidade de duas idas de helicóptero á
cidade de Barcelos, distante 401 km de Manaus, onde encontrava-se
atracada. Curiosidade ou não, mas nas duas viagens aéreas
a Barcelos, o helicóptero pousou em plena floresta para sanar
pequenas avarias.
Os parâmetros medidos e calculados na embarcação,
numa vistoria realizada em 1998 apresentavam valores que confrontados
com aqueles obtidos pelos peritos, ensejaram admitir que estávamos
diante de uma embarcação ampliada fisicamente, mantendo
toda documentação fictícia anterior.
Na foto da embarcação periciada apareceram grades de
ventilação no espelho da popa, abaixo do convés
principal,
o que não consta no projeto abaixo.
Uma
constatação imediata nas diferenças entre 1998
e 2001 estava na Arqueação Bruta (AB) de 43 para 89.
Se o “Princesa Amanda” fosse inscrito na Capitania dos
Portos com AB=89 o grau de exigência da inspeção
naval seria muito mais rigoroso e seu proprietário teria que
apresentar o Certificado de Arqueação, Certificado de
Segurança de navegação (CSN), Certificado de
Borda Livre e outros. Houve, portanto, uma fraude na inscrição
da citada embarcação, que navegou oferecendo permanente
risco à segurança da navegação e aos seus
passageiros.
Ademais, ficou provado por exames grafotécnicos na Polícia
Federal, que o recibo emitido pelo estaleiro construtor da embarcação
fora falsificado, bem como o recibo de compra dos motores e ambos
autenticados em cartório, por despachantes, certificando documentalmente
a fraude. Existia então uma embarcação sinistrada
com 89 de Arqueação Bruta e sua documentação
registrada na Capitania dos Portos e autenticada em cartório
possuía 43 AB. Estava Assim confirmada a farsa.
Nas conclusões do IPM, foram denunciados o proprietário
da embarcação, o engenheiro naval responsável
pelo projeto e quatro despachantes.
OS
DESDOBRAMENTOS NO PODER JUDICIÁRIO
Após
o envio do IPM para a análise e decisão da Justiça
Militar da União, a sra. Juíza Auditora da Auditoria
da 12ª Circunscrição da Justiça Militar,
proferiu:
“Comunico a V. Exa. Que por decisão proferida em 31/07/01,
declarei a incompetência deste Juízo para apreciar os
fatos investigados nos Autos do Inquérito Policial Militar
nº 025/01, instaurado pela Portaria nº 14/CANAO, de 26/12/00,
desse comando, no qual figura como Encarregado o CMG ELSON DE AZEVEDO
BURITY.
Outrossim, informo que os referidos Autos foram encaminhados, nesta
data, à Justiça Federal do Estado do Amazonas.”
A partir daí a Justiça Federal instaurou os procedimentos
judiciais pertinentes, cujo processo 0005601.49.2005.4.01.32, culminou
com as seguintes condenações pelo Tribunal Regional
Federal da Primeira Região:
João Carlos Correa Paiva, despachante – 02 (dois) anos
e 04 (quatro) meses de reclusão e 23(vinte e três) dias-multa,
correspondendo cada dia-multa a 01 (um) salário mínimo;
e
Marcondes Fernandes Bastos, despachante – 02 (dois) anos, 01
(um) mês e 20 (vinte) dias de reclusão e 18 (dezoito)
dias-multa.
Ainda de acordo com a Ação Penal nº 2005.32.00.005615-1,
ocorreram as condenações de:
Valmir da Silva Mores, proprietário da embarcação
– condenado como incurso no art. 261 § 1º § 2ºc/c
art. 262 c/c art. 258 do Código Penal, à pena de 12
(doze) anos de reclusão e 120 (cento e vinte) dias-multa;
Quanto ao delito de falsidade ideológica foi fixada a pena
de 03 (três) anos de reclusão acrescido de 60 (sessenta)
dias-multa;
Posteriormente foi informado nos autos a ocorrência de seu falecimento;
e
Clemilson Cavalcante de Souza, arrendatário do “Princesa
Amanda” – Aplicada a pena de 20 (vinte) anos de reclusão,
acrescido de 150 (cento e cinquenta) dias-multa.
CONCLUSÃO
Após alguns anos de tramitação nas instâncias
da Marinha, Justiça Militar e posteriormente na Justiça
Federal, que o trágico acidente ocorrido com o B/M “Princesa
Amanda”, lamentavelmente ceifando a vida de 26 (vinte e seis)
inocentes e muitos dormindo em suas redes, sirva de alguma forma para
alertar a nossa comunidade manauara e ribeirinha e que acidente semelhante
jamais se repita.
Devo, particularmente, louvar os esforços da nossa Marinha
que, com o decorrer dos anos, criou os Estágios Preparatórios
para Oficiais Designados para Capitanias, Delegacias e Agências
(ESPOC) e para Praças (ESPRAC). Ainda mais recentemente também
foi criada a especialidade de Segurança do Tráfego Aquaviário
(C-Esp-SQ), para nossos militares subalternos. Houve também
a ativação das Agências de Humaitá, São
Felix do Araguaia e Caracaraí e uma completa modernização
dos meios flutuantes em todas as Organizações Militares
que compõem o Sistema de Segurança do Tráfego
Aquaviário (SSTA).
Por fim, ressalto que a segurança da navegação
não é um trabalho apenas da Marinha do Brasil, que é
um elo de uma corrente. É importante o trabalho de todos, especialmente
armadores e condutores das embarcações, para que juntos
trabalhemos para reduzir cada vez mais o número de acidentes
da navegação, não apenas na Amazônia, mas
em todo o Brasil.
REFERÊNCIAS
IAFN
instaurado pela Portaria nº 63/CFAOC de 27 de novembro de 2000.
Inquérito Policial Militar instaurado pela Portaria nº
140/CNAO, de 26 dezembro de 2000.
Acórdão do Processo nº 19.307/2001, do Tribunal
Marítimo.
Ação Penal nº 2005.32.0.00.5615-1 da Justiça
Federal do Amazonas.
Processo nº 0005601.49.2005.4.01.32 da Justiça Federal
do Amazonas.
*************

ELSON DE AZEVEDO BURITY
Delegado em Tabatinga, Superintendente do Ensino Profissional
Marítimo e Vice Diretor da
Diretoria de Portos e Costas e Capitão dos Portos do Maranhão.
Atualmente exerce atividade no Tribunal Marítimo.